Com ele se foi parte do meu eu

A vida se compõe de perdas e ausências desde quando a gente nasce.

Primeiro perdemos o achego do útero materno. A seguir perdemos ou ganhamos nova identidade.

Confesso teria sido mais seguro ficar ali dentro. Quentinhos e protegidos do mundo cruel que pode nos receber de olhos esbugalhados, prontinho a nos voltar as costas, levando tombos, levantando-nos de novo, percebendo que nem tudo são flores neste jardim que deveria ser abençoado, no entanto para a maioria dos seus filhos trata-se de um mundo hostil, infelizmente recheado de tantos percalços.

Não tenho do que queixar da vida. Ao revés. Pra mim ela tem sido colorida como as flores dos ipês, que neste meio de ano se deixam ver, caindo ainda vivas na relva ressequida, deixando a árvore mãe olhando suas flores filhas como se desejasse que novamente elas voltassem a ponta dos galhos mais finos, para fazer companhia as mais novas, que nascem de um botão, voam em direção ao chão, o mesmo solo frio que vai receber nossos restos mortais um dia.

Voltando as perdas, aqueles que nos deixaram tristes e solitários, quantos dos nossos já partiram rumo a um lugar desconhecido. Quem sabe este lugar fica bem alto, acima do azul etéreo do céu, hoje não tem nuvens, céu descoberto, a amarelice do sol deixa tudo claro, apenas a noite fica escura.

Meus avós se foram. Meus pais fizeram-se ausentes. Um irmão me deixou antes do tempo. Tios queridos, por parte de pai, não resta nenhum deles. Por parte dos Rodartes felizmente ficaram dois.

Dos Abreus só restava um. Era o último dos moicanos.

O velho Bento, mascate viajor, o mais idoso da família, foi um dos primeiros a nos deixar. A seguir uma tia querida, a caçulinha da turma, a ele no céu fez companhia. Meu tio Chico não resistiu a ausência dos irmãos. A eles veio engrossar o comboio de gente nascida de pais amantíssimos, vô Alberto e vó Maria. Meu saudoso pai, cuja fotografia me faz companhia pertinho de onde escrevo, talvez me inspire tantos escritos. Tio Zito se foi muito cedo. Hoje, onde ele estiver, acredito que more num lugar espaçoso, cheio de pasto verde, de vacas baldeiras, e ainda conta causos no rabo do fogão a lenha de sua fazenda.

Eis que chega o inverno. O chão duro do asfalto fica coberto de folhas mortas. Sempre que saio de casa, bem cedo, meus pés caminham sobre estas folhas mortas.

No sábado que o calendário passou, assim que percebi se tratar de um novo dia, fui logo ao celular. Pelo canal de mensagens vim a saber da morte do último dos tios Abreus.

Tio Albertinho quase chegou aos cem. Faltaram poucos anos. Creio que menos de cinco.

Minha prima Inês, portadora das boas e más noticias, que lhe fazia companhia junto a esposa amada, foi quem me inseriu na triste novidade.

“ Meu pai faleceu ontem, nos braços de minha mãe. Ele foi sepultado aqui mesmo em Volta Redonda.   E agora descansa em paz”.

Não tive como estar presente ao seu sepultamento. Não pela distância. E sim pela premência de tempo.

Ainda me lembro bem do querido Tio Albertinho. Do seu bom humor contagiante. Do seu rancho aqui pertinho. Onde fui visitá-lo em dias recentes. Seus filhos, netos, como devem estar sofrendo com sua ausência. Ele vai fazer falta. Era uma presença esfuziante.

Tia Luzia, tão dedicada esposa, era não apenas sua escora, bem como seu prumo, sua cuidadora.

Seus filhos, meus primos Abreus, distantes nos dias de hoje, poucas vezes os vejo, mas não os tiro da lembrança.

Da mesma forma que meu tio se foi, como todos nós passaremos, ele não morreu. Ficou encantado em nossa memória.

A vida está pelas bocas de perdas. Umas doem. Outras nem tanto.

Perdemos a mocidade. Entramos na maior idade. Saímos dela como saiu meu tio Albertinho. Como saíram outros Abreus.

Como ele se foi parte do meu eu. Mas ainda restam outras partes. A continuação de minha história fica pra depois. E quem vai contar a minha? Não tenho pressa nem intenção de narrar nem parte dela.

A vida caminha dessa mesma forma. Cheia de perdas e danos. Repleta de desenganos. Mas os instantes felizes, felizmente, têm feito parte de mim. Que continue assim. Por anos e anos afins…

 

 

 

 

 

 

 

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