Com a palavra o silêncio

De quando em vez, nem sempre, o silêncio me apraz. Quando passo a noite naquela casa beira lago, solitário, ouvindo o canto mouco do nada ouvir, assistindo a noite chegar, como me faz bem passar horas baldias sem nenhumalma viva, os mortos não falam, naquele lugar encantado.

Da mesma forma quando percebo, em alguns dias, surdos mudos conversarem, nada entendo o que suas mãos dizem, da mesma forma como aqueles gestos fazem-me bem a alma desassossegada.

Nem sempre as conversas que a gente escuta são afáveis aos nossos ouvidos. O mundo anda muito barulhento. Acostumamo-nos a azáfama do cotidiano. Pessoas existem que dizem tanto e nada dizem. Assim caminham nossos dias. Alguns felizes. Outros díspares em felicidade.

Ando passando dias assim. Prefiro ficar aqui. Isolado do mundo que corre lá embaixo. Daqui avisto pessoas correndo para algum lugar. Ouço músicas pelo meu fone de ouvido. Caminho com eles ligados para tentar me afastar do murmúrio do mundo.

A ouvir palavras inconsequentes, ditas por gente dotada de pouca sensibilidade, nada melhor que guardar palavras dentro de suas moradas. Como o silêncio faz falta nestes dias quando muitos pensam dizer tudo e nada dizem.

As palavras nem sempre precisam ser ditas. Agora mesmo prefiro deixá-las escritas. Como neste texto hoje cedo deixado no computador. Tomara quem passarinhar os olhos nos meus escritos comunguem como eu do meu desejo de ficar em silêncio.

Um dia destes, quando desci do ônibus que me trouxe de uma unidade de saúde distante, estava com meu fone de ouvido ligado, um pseudo amigo me interpelou ruidosamente. Foi preciso retirar um dos fones para ouvir sua preleção enfadonha.

Ele se sentia no direito errado de instilar-me ouvidos adentro toda a sua paixão pelo seu time de futebol. Do lado oposto mal tinha tempo nem disposição para escutar-lhe as opiniões contraditórias as minhas. Foi preciso paciência e um resto de atenção que não dispunha para escapar dessa pessoinha falante. Deixei-o blasfemando contra a minha pressa em chegar a casa. Afinal a manhã havia sido cansativa. Estava cansado de ouvir os queixumes daqueles consultantes daquela manhã cheia de contratempos e lamentos vazios.

Dias existem que um certo enfado toma conta da gente. Como nestes dias não podemos nos isolar do mundo ao derredor, viajar nem sempre nos faculta o trabalho, por que não nos darmos o direito, para muitos considerado não muito certo, de ficarmos alheios ao que nos passa o mundo?

A certas conversas prefiro deixar palavras escritas. Da mesma forma que em momentos certos prefiro ouvir o murmúrio do silêncio. Como por vezes acontece naquela linda casa beira lago.

Hoje cedo o céu de repente se transformou em azul. Antes estava cinzento.

O sol saiu de seu leito noturno. Com certeza ele dormiu esplendidamente ao lado de alguma estrela com quem fez amor. E acabou despertando sorridente de seu sono madrugão.

Já agora, com mais disposição para ouvir queixumes, quem sabe alguma prosa boa me faça mais paciente. E, a ficar em silêncio consiga prestar atenção no que dizem os inconsequentes?

Ontem em verdade preferia a uma conversa atravessada nada ouvir. Quem sabe hoje a palavra do silêncio não seja tão cordial como de outras vezes.

Somos assim. Como a alternância dos momentos. Vezes existem que somos falantes. Outras quando as palavras amaldiçoam-nos os ouvidos.

E, caso alguém fale mal de mim, se não conseguirem aturar qualquer dos meus lados, simplesmente respondo, escrevendo o que minha inspiração diz. Nem por isso sou bom ou ruim. É que sou assim. E nem pretendo mudar o silêncio que de repente brota dentro do que sou. E vou continuar a sê-lo. Até o fim.

 

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