Melhor não saber

Tenho um vizinho de cerca, Zé Adivinhão, que tem a mania herdada de berço de se vangloriar em tentar saber todas as previsões.

Epitetado que foi pelos amigos justamente por tentar vaticinar todos os ocorridos. Mesmo para os outros desconhecidos.

Um dia ele, assentado nos seus calcanhares, pitando um paieiro apagado, assim que dele se acercou um monte de gente, depois da ordenha da manhã, ao olhar pro céu azul da cor do assanhaço azulão, se fez de entendido em previsões de tempo. Disse, ou melhor, não abriu questão, que naquela tarde iria chover. Os circunstantes desconfiados passaram a rir da sua fala. Alguns até fizeram troça do danado. Dizendo que ele estava redondamente desacertado.  Com um céu daquela cor, sem nenhuma nuvem no alto, difícil ou impossivelmente iria chover.

E não é que de tarde despencou água do céu azul? A abóboda celeste nem tempo teve de mudar de roupa. De repente tudo se transformou. O azul de antes se transformou em cinza. Raios riscavam o alto. E desabou um pé-dágua que nunca antes se ouvira falar. Enchendo a boca da terra de sorriso, antes seca e rachada.

Zé Adivinhão foi enterrado depois de afirmar, com certeza, ao menos de sessenta anos nos costados, após garantir que ultrapassaria os cem. Daí o meu receio de vaticinar o que vai acontecer de aqui há um minuto. De hoje a anos, então, nem em sonho.

Hoje acordei com uma estranha sensação de amargume no céu da boca. O outro céu ( do alto) estava cinzento. Como agora mesmo, antes das sete, se mostra. Não faria como o Zé Adivinhão. Por certo, não sei precisar quando vai derriçar água do céu agora cinza. Com duvidosa certeza alguma hora chove. De tanto assistir aos meteorologistas afirmarem as previsões, e por vezes dar errado, não me atrevo a tal atrevimento.

O difícil é deixar o leito saboroso em horas tempranas. E recomeçar tudo de novo. Como nos dias antes.

O que será de mim nas próximas horas? Vou tomar chuva? Ou melhor usar guarda-chuva? De vez em quando levo o meu fechado, já que nunca ando de carro. E acabo me esquecendo do pai dos esquecidos nalgum lugar desconhecido.

Logo mais tomo o ônibus aqui pertinho. Já que tenho um trabalho noutro lado da cidade, caso fosse pelas próprias pernas iria demorar um bom bocado, uso das minhas prerrogativas de idoso e lanço mão dessa carteirinha especial. Passo com ela na roleta e lá vou eu, feliz da vida, atender aqueles que não têm como pagar uma consulta particular ou se filiar a um plano de saúde para justamente cuidar da sua em decadência.

Mais uma interrogação passa pelas minhas lembranças. São tantas, tantas, que não ouso passar adiante quantas são.

Quantos anos mais me restam para voltar aquele ambulatório onde pessoas humildes exigem tão pouco do médico que ainda mora em mim? Quanto tempo mais me resta aqui, neste mundo lindo onde vivemos, para me dedicar à medicina, ciência que exige da gente muita dedicação, compaixão, tirocínio?

Hoje estou sessenta e oito. Logo mais estarei mais um. Em dois anos mais dois. Logo entrarei nos setenta. Espero com a mesma clarividência de agora. Com as mesmas pernas fortes de sempre. Embora pensem que o sempre seja compatível com o eternamente. Ledo engano. Não existe sempre. Melhor dizer hoje. O amanhã a Ele pertence.

O que vai ser de mim na semana que de repente termina? Se nem sei o que vai ser da gente de agora a um minuto após? Sei que em menos de vinte minutinhos curtos este texto vai terminar. Depois da última palavra o ponto final tão esperado. E se eu resolver esticar mais algumas linhas esta crônica? Tudo vai depender do momento em questão. Se termino ou não não tenho ainda certeza. Isso vai depender da inspiração do momento exato.

Algumas solitárias vezes penso no que vai ser de agora em diante. Se terei saúde? Se as doenças vão tomar conta do meu eu usado? Gasto pelos anos todos passados? Se vai chover? Deixe a resposta aos céus. Não tenho influência nos ditames de Deus Pai.

Ainda me lembro do pobre Zé Adivinhão. Que subiu ao céus pensando ainda viver aos mais de cem. Que por vezes acertava, raras vezes, em quando a chuva iria deitar sobre a terra seca. Ou quando a vaca iria dar cio. Ou quando seria a melhor época para o plantio. Na maior parte das vezes se lograva.

Ele morreu sem precisar a data exata do seu passamento. Equivocou-se redondamente. Como por vezes eu me logro.

De quando em vez assaltam-me algumas previsões. Logo cuido de afugentá-las. Levemente.

Quando eu vier a deixar este mundo? Quando não serei capaz de andar sem o auxílio de bengalas? Quando não mais puder exercer a medicina? Ciência que me domina há mais de quarenta anos? A qual ainda amo tanto? Como adoro escrever em horas madrugadoras. Como amo a vida em plena intensidade.

A tantos quandos não quero prever as respostas. Melhor não sabê-las. E ficar na mais absoluta ignorância.

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