Tentei tirar as pragas do meu jardim

Desde tempos que lá se vão, anos, meses, dias apenas, aliás, foi no dia de ontem, findo carnaval, passei horas, menos de uma, creio, curvado sobre meu corpo, quase de joelhos, tirando pragas do meu jardim.
Bem sei que elas voltam. Como a chuva retorna. Como a paixão, que um dia o jovem sentiu, desfaz-se ao chegar a idade, a barriga fica em forma de lua cheia, as rugas passarinham a face, o cabelo, antes negro como piche, acaba branqueando como algodão, o sexo perde o sabor de hortelã com canela.
A terra onde foi formado o meu jardim, defronte a casa onde moro, e donde não pretendo sair a não ser quando um caixão singelo vier tapar o sol que sai de manhã, antes era de domínio de uma exposição de gado, terreno febrilmente adubado, por esterco de vaca e suas crias.
As tais ervas daninhas, que voltam em pouco tempo depois de retiradas, no meu jardim são de dois tipos. Antes era mais um, o tal trevinho, de três ou quatro folhas, sempre procurei o de quatro, dizem que dá sorte.  A mim nunca aconteceu. Uma erva daninha, conhecida por tiririca, é a invasora mais longeva do meu jardim. A outra, por mim alcunhada de chapeuzinho de cangaceiro, nome científico Drymaria Cordata, apelido pomposo para uma coisinha até que bonitinha,  ameaça tomar conta da grama preta que ali mora, tapando a boca da terra fértil do meu jardim frontispício.
Não poderia deixar de mencionar as pragas que se movem: lesmas, caracóis, besourinhos, de vários tipos, a maria fedida, que faz justiça ao nome, ao ser esmagada dela exala um cheio esquisito, a cochonilha, os pulgões, e outros, que o professor Google não me esclareceu.
Nunca seria demais lembrar de que sem as lagartas não voariam as lindas e graciosas borboletas. E sem jardim o que seria das cores lindas das paredes das residências não fosse o verde colorido aberto a que ali cresçam as flores, tantas que são, a mais linda que enfeita o meu jardim não é cultivada ali. É a rosa, em maiúsculo, a minha querida Rosa mulher, sem ela não seria capaz de observar a lindeza que qualquer jardim. Já que ela, a minha Rosa, empana a magnificência de qualquer flor de qualquer jardim.
Foi durante a minha capina manual, retirando as pragas daquele jardim, aparar a grama, podar os arbustos, replantar um naco de grama morta, essa tarefa deixo a cargo do jardineiro, um deles, a meu critério, um dia se transformou em flor, que aprendi algumas passagens sobre as crianças. Uma delas, ao ver uma solitária minhoquinha vagando a esmo pelo jardim, assim resolveu-lhe a solidão: cortou-a em duas partes, usando uma latinha aberta. E exclamou ao tal anelídeo que ajuda a fecundar a terra: “tadinho dele(ou dela). Agora você não está mais sozinho. Tem outra minhoquinha a lhe fazer companhia”. Sobre uma rosa, flor, que era de uma cor não tão vermelho vivo, o mesmo menino disse: “é um vermelho sim, mas muito devagar, quase parando”.  “Tristeza é a chuva caindo devagar”. Afirmou outro menino.
No dia seguinte à retirada das ervas daninhas do meu jardim ali me postei a observar a qualidade do meu desserviço.
Uma das ervinhas, se não me engano foi a tiririca, olhando a minha cara de desconsolo, riu em direção a minha pessoa. E, naquele sorriso de praga rediviva, pensei-a dizer, em tom de zomba: “seu idiota. Na próxima vez que for retirar alguma das minhas irmãs do seu jardim, lembre-se, somos uma família unida, umas pelas outras, um por todos, todas por uma. Como um exército de soldados em pelotão, quando um tomba na guerra, logo outro assume o lugar do soldado morto. E a batalha só é dada por vencida após o término da luta. Tomara ela acabe logo”.
Não respondi ao comentário da tiririca insolente. Bem  descobri que ela estava coberta de razão.
Agora, pensando ter aprendido a lição, sou bom entendedor da linguagem das pragas de jardim, vou estender-lhes a bandeira branca. Vou capitular. Abaixar as armas, as minhas são as palavras escritas, que de dentro de mim saem aos borbotões.
Vou deixar que as pragas de jardim tomem conta da minha grama preta. Das lindas plantas verdes, das quais nasceram florzinhas brancas, de cheiro mimoso,  recém foram inseridas  a terra. Talvez assim, pensando serem mais fortes do que as plantas adquiridas em floras, as pragas de jardim, esparramadas juntas, acabem dando flores, enfeitem de fato o jardim. E façam as pazes com o dono dele, que por acaso sou eu.
Hoje, dois dias depois de acenar a bandeira branca da paz, ao ver o meu jardim remodelado, lotado de pragas lindas, tiriricas, chapeuzinhos de cangaceiro, de lesmas rastejantes, de pulgões dominantes, de minhoquinhas felizes, pois agora, depois que o menino, condoído da solidão da minhoca, a fatiou em duas partes, das duas nasceram mais filhotes, dos trevinhos de quatro folhas que desta vez me deram sorte, das lagartas que viraram borboletas azuis, foi que lucubrei sobre outras pragas que não nascem em jardins, e sim dentro da gente.
Foi quando pensei na inveja, na luxúria, no ego inflado ao exagero, no ciúme destemperado, no desamor que paira no ar, na azáfama do cotidiano, na violência atroz. E em tantos e tantos problemas que o ser humano enfrenta, e é vencido, como fui derrotado na pendenga com as pragas do meu jardim.
Caso pudesse tirar esses defeitos de dentro de todos nós, enxotá-los de dentro de mim, o jardim que trago dentro do meu eu seria um jardim do Éden. Como quando nasceu o paraíso, e Adão e Eva puseram tudo a perder.

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