O dia em que os beijaflorzinhos deixarem o ninho

Imprecisamente passado um mês, quem observou o fato inédito foi minha amiga Ângela, querida secretária do lar, do lado de fora, na parte dos fundo da minha casa, escondidinho na varanda, cheia de verde: vasos, plantas, um pequeno jardim bem cuidado, mais ao lado uma coberta onde fica uma churrasqueira de pouco uso, uma pia que quase não vê coisas a serem lavadas, agora ela serve tão somente de depósito de guardados, um fogão industrial que é escassamente usado para cozer feijão, ou alimentos que necessitam de uma chama mais fumegante, um casal de beija-flor edificou seu ninho numa folha de ráfia.

Quando a Ângela, amante de bichos, principalmente os de asas, que avoam, a exemplo as calopsitas multicores, qualquer tipo de passarinho, creio até os vira-latas pardais, avezinhas sem pedigree, são de sua afeição, ela notou o pequetito ninho pousado na folha verde, com dois ovinhos a serem chocados. Agora já são dois filhotes de beija-flores de uma espécie pequena já emplumados, enchendo o ninho, esperando ávidos por abocanharem do bico longo de um dos dois progenitores a comida parcialmente mastigada pelo carinho da mãe, ou do pai, um casal amantíssimo que sonha com o dia de ver os dois filhotinhos deixarem o ninho, com asas prontas a voarem, a princípio titubeantes, hesitantes, logo a seguir voando alto, osculando flores, deixando os beija-flores adultos a sós reféns da saudade deles dois.

Uma dúvida me acompanha, desde muito tempo.

Teriam os pássaros, sejam quais forem, saudade dos filhos que, depois que aprendem a voar, nunca mais os verão, e se os enxergam talvez nem se lembrem da eclosão dos ovos? Deixo esta resposta aos entendedores.

A gente, agora sou avô, quando um filho cresce, que pena as pessoas não sabem voar!, quando percebemos que algum dos nossos descendentes se formam, quando não têm a chance de serem advogados, médicos, outra qualquer profissão considerada nobre, mais uma interrogação, qual a nobre e qual a não?, os filhos, netos, bis, deixam a casa ninho atrás, e partem aos seus destinos, longe de nós, só mesmos pais, avós, quem não sente a falta deles, é considerado desnaturado, coração de pedra dura, ou coisa de menos valia.

Um dia, precisamente hoje, depois de uma corrida de porte médio, alguns quilômetros apenas, nessa terça-feira de carnaval, assim que cheguei a casa, de dar uma volta apenas no entorno do condomínio, para relaxar as pernas, ao passar pela cozinha, e ver a minha Rosa se preparando para assar uma leitoinha pela metade, que boa dona de casa perfeita é minha doce esposa querida, fui logo ver como estavam os filhotinhos de beija – flor.

Abri a porta devagarzinho. Para não assustar, tanto os pais, como os pequenos beijaflorzinhos.

Fui pisando ovos até a folha da ráfia verde, a ver o tal ninho de passarinho.

Afiei os olhos. Olhei de novo. Pedi a outra pessoa que constatasse o que meus olhos cansados pensavam ter visto.

Foi minha querida Rosa que, entregue a faina da cozinha, preparando a leitoinha a ser posta no forno, foi comigo, devagarinho, a espreitar de novo o ninho.

Agora não tenho dúvidas. O ninho estava vazio. Os dois beijaflorzinhos em verdade não estavam ali.

O que teria acontecido aos dois filhotes de beija-flores, que de tempos recentes ali eram apenas dois ovinhos miúdos, depois apareceram as duas avezinhas peladas, ansiosas pela chegada dos pais, trazendo nos bicos o alimento parcialmente digerido?

Teriam sido eles devorados por algum predador, um gato noctívago, um gambá que nunca foi visto?

Olhei pros lados e nada vi de especial. De fato o ninho de beija-flor estava reduzido apenas e tão somente a ele próprio.

Foi quando percebi, ou foi apenas mais um fruto da minha imaginação fertilíssima?

Meus dois olhos inquiridores viram, será?, dois beija-flores crianças, avoando por sobre a minha cabeça tonta.

Foi quando lucubrei sobre meu querido netinho Theo. Meus dois filhos já alçaram vôo. De vez em quando eles aparecem. Em visitas fugazes como o vento que assopra.

Um belo triste dia o Theo também vai deixar o ninho dos seus pais.

Assim caminha a humanidade. Embora seja desumano, a gente acaba se esquecendo, como acontece aos pássaros, quando os filhotes deixam o ninho.

Um dia o Theo vai deixar o ninho dos pais. Deixando os avós solitários, a espera da vida, ou da morte, tomara ela não chegue tão veloz como o raio que passou inda pouquinho, naquele instante de chuvadonha imensa.

O dia em que nossos beijaflorzinhos deixarem o ninho, creio não sofrerei tanto. Pena que o sofrer faça parte dos meus desencantos…

 

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