A vida de agora em diante

Até agora tenho feito da vida um capítulo especial da minha.

O trabalho ainda me seduz. A medicina me completa.

Nos meus setenta e cinco anos tenho feito quase tudo que gostaria.

Viajo nos meus escritos. Saio da minha cidade sempre que minha vontade dita.

Aos sábados vou até minha rocinha rever velhos amigos.  Não tenho parança.

A irrequietude mora dentro de mim. Não fico na cama por mais que ela me apeteça. Mesmo nesses dias frios aqui estou a mesma hora de sempre.

Ainda não pensei em me aposentar por completo.  Por vezes penso nisso. E de repente repenso no que seria de mim entregue ao ócio por completo?

Não sei ficar à toa. O trabalho me faz falta. Da mesma maneira que atender pacientes tem sido de meu costume. Pena que, com a idade chegando, com os anos se amontoando, meus pacientes mais e mais raleiam. E aqui fico cada vez mais ocioso.  E as despesas se acumulam. Dai o meu pensamento de um dia, cada vez mais próximo, encerrar em definitivo minha carreira na medicina. Fechar a porteira do meu consultório.  Deixar outro colega a ocupar minha cadeira. E passar o bastão a outro médico.  Mas será que irei me acostumar a total aposentadoria? Não sei o que vai ser de mim naquele dia inóspito.

A vida de agora em diante. Na minha pós aposentaria tenho medo de não resistir ao descanso total. Já que até agora não me vejo sem nada fazer. Acordar tão cedo.   Deixar minha cama entregue aos travesseiros. Lavar a cara sonolenta. Assentar ao trono, já que não sou rei ou herdeiro de um reinado. O que irei fazer durante um dia inteiro?

A vida no meu descanso, depois de mais de cinquenta anos de graduado, talvez não seja aquilo que gostaria. Tenho certeza que não me darei bem ao ficar entregue ao doce prazer de nada fazer. De papo pro ar vendo a vida escorrer de mansinho a espera de um dia não mais existir. Creio que não irei conseguir aquietar meu desassossego. Já que não me imagino assentado a um banco da praça.  Bem cedinho a prosear com amigos.  Já que esses bons amigos, da mesma idade em que me encontro. Muitos deles já não mais estão por aqui.

A vida daqui pra frente, um dia depois de fechar minha oficina de trabalho. Talvez não seja um mar de rosas e sim um oceano de ondas revoltas.

A vida pra mim só tem valor quando imersos no trabalho. Mas por certo um dia a aposentadoria um dia vem. Mas como viver apenas com esses parcos rendimentos? A mercê de um reles salário mínimo que termina antes do mês terminar? Pra mim não dá.

A vida tem de ser vivida enquanto a lucidez não nos deixar órfãos. Quando não mais pudermos caminhar pelas próprias pernas. E não mais formos capazes de decidir que roupa iremos vestir. E termos de engolir coisas que não nos apeteçam. Pra que continuar vivos?

A vida deve ser curtida em cores vivas. Quando não mais pudermos enxergar essas mesmas cores pra que viver mais tempo?

Minha vida, daqui pra frente, quando tiver de me jubilar por completo. Não sei se vale a pena continuar a viver. Não terei disposição sequer pra sair da cama. Abrir os olhos pra quê?

De agora em diante. Caso me decidir cerrar a porta da minha oficina de trabalho pra sempre. Quem irá cuidar dos peixinhos do meu aquário? E ainda me pergunto: quem vai continuar meus escritos?  E quem vai ligar esse computador onde tenho armazenadas tantas crônicas? São mais de vinte mil. E ainda me indago: quem vai atender as pessoas que ainda me procuram?

E meus livros? São vinte e um que serão desamparados. Não tenho onde deixá-los.  São partes de mim.

A vida de agora em diante. Caso decida encerrar minhas andanças pela medicina. Não vai ter mais cor ou sabor. Melhor deixar como está. Do jeitinho em que se encontra.  De portas abertas. Descrevendo sempre esse cotidiano tão lindo que se mostra aos meus olhos.

Até quando me permitir esse meu paizinho do céu, que não se deixa ver, mas bem sei que ELE existe dentro de nós. Vou continuar aqui mesmo na mesma rotina costumeira. Pois bem sei que, pra se viver completamente, carece de continuarmos sempre. Sem parança, antes que a morta nos vença pelo cansaço.

 

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