Na hortinha do Seu Mané

Quem não planta não colhe.

Numa roça onde não tem verduras a saúde não existe. Já que naquele lugar encantado adubo natural não falta. Esterco bem curtido abunda uma vez expelido da bunda das vacas. É só ensacar o excremento. Semear as sementes. Fazer uns canteirinhos num cercado de tela para impedir que as galinhas adentrem. E esperar o tempo certo para colher.

Quem não aprecia umas verduras colhidas na hora? Couves macias que podem ser comidas cruas. Agrião dizem ser ótimo para os pulmões nesses tempos de frio e secume no ar. E a tal rúcula, azeitada num bom azeite? Com uma pitadinha de sal não há quem desfaça delas.

Tomates vermelhinhos são os que mais aprecio. Um remédio mais indicado para doenças da próstata inchada. Beterraba, jiló, quiabo, pimentão, alface repolhuda, cenourinha amarelinha recém tirada da terra mãe. É só lavar na água da mina e comê-la cruinha. Até mesmo quiabo, que nasce numa arvorezinha, sou adepto de fazer com frango caipira. Isso não deixando de lado um bom refogado de mandioca macia temperada com sal a gosto. Tudo isso faz parte da rocinha do meu amigo Mané.

Ele nunca deixou de plantar verduras. Nunca o vi na feira. Ele produz as próprias desde que se mudou para aquele pedaço de chão ermo.

Ali tem esterco com fartura. Uma dúzia de vacas baldeiras deixam estercadas as bandas do seu curral.  É só esperar secar e encher o carrinho de mão. Depois levar para a sua hortinha de couve e suas aparentadas. Esperar o tempo certo para poder colher. De vez em quando ele percebe que um intruso entrou na sua horta. Galinhas, com seus pintainhos, locupletaram-se nos seus pés de couve. Mas sobrou o suficiente. Dividir com seus bichinhos faz parte de seus melhores momentos.

Numa tarde desse mês corrente fui em visita ao meu amigo Seu Mané.

Ele, com sua paciência desmedida remendava a cerca de tela já bem antiga. Pacienciosamente, assentado nos seus calcanhares. Fechava os furos que um bando de capivaras havia feito.

Aquela tarefa já durava mais de quatro longas horas. Mas pra ele o tempo não tinha medida. A paciência era sua maior virtude.

Depois de esperar alguns minutos consegui palrar com ele. Ele não tinha pressa. Sentimento que acabou me contaminando.

Uma vez na sua cozinha. Onde fumegava na trempe do fogão a lenha um bule de café.

Eu e ele proseamos.

“Seu Mané. Há tempos não o vejo. Como vai? E a saúde? Vai de bem a melhor? E seus filhos? Já lhe deram netos? Onde eles estão?”

Ele, puxando um paiero apagado. Já havia deixado de pitar fazia um bom tempo. Explicou-me, com aquela vozinha meio fanha, entre dentes que quase não tinha mais: “olha meu amigo. Deveras. Há muito que vosmecê num aparece. Tá sumido num sumidouro. Onde tem andado? Minha saúde vai de bem a mais mió. Se piorar piora. Meus fio se debandaro. Num sei onde eles estão. Se tenho neto num sei. Eles nunca me visitaro. Nem eu a eles. Tá claro na escuridão. Agora, no presente tempo. Vô indo onde num sei. Se vorto, se fico. num interessa a ninguém. E vosmecê? O que tem feito?”

Pra num fazer desfeita a ele continuei a prosa. Boa, se quer mesmo saber.

“Estou por ai mesmo. Dando murro na desgraceira toda em que anda nosso pais. A quebradeira urra por todas as partes. O comércio, se vende, não recebe. Mais se paga do que se ganha. Fiado só na conta do Abreu. Se não pagar, nem eu. Assim vamos vivendo. Aos trancos nos equilibrando na corda bamba. Até cair onde só Deus sabe. Ah! Já ia me esquecendo de perguntar. Agorinha mesmo o vi plantando umas sementinhas de não sei o que. Pra mim não é de alface. Nem de cenoura. O que será”?

Seu Mané. Com a calma e paciência que lhes são peculiares. Respondeu-me num muxoxo misturado a um sorriso na sua banguelice desdentada: “ah! Tô plantando uma coisinha que tá em farta nesse mundão de tanta pressa. É umas sementinhas de uma tal verdurinha novinha que discurbri agorinha memo. Quero vê, com meus oinhos discrentes, se as tais sementitinhas de paciência vão vingá”.

E num é que um mês depois brotou da terra umas verdurinhas esquisitinhas. Sabem qual o nome delas? Paciência. Nunca vi coisa tão difícil de lidar.

 

Deixe uma resposta