Chiquinho, garotinho espero, pela maioria dos seus coleguinhas era tido como bom aluno.
Aplicado, estudioso, bom filho, sempre primou por tirar notas acima dos oito e meio, uma única vez ficou no vermelho, mesmo assim por estar adoentado preso a cama por uma virose febril. Mesmo assim, depois de restabelecido voltou a escola com notas melhores ainda. E trazia no seu boletim a mostrar aos pais uma média acima do previsto. E o menino Chiquinho recebeu o diploma do segundo grau com galhardia. Tornando-se digno de menção de louvor de autoria do exigente diretor.
Eis que os anos passarinham.
Os janeiros de desdobram em fevereiros, estes em marços seguidos de abris. Que por sua vez espicham maio adentro. E o tempo de frio que teve início em maio persiste junho afora. Para dar começo em julho, tempo de férias escolares. Para agosto ser considerado mês de desgosto e de cachorro louco. E entra setembro e com ela a primavera. Deixando espaço para outubro chegar. E eis que ele chega sendo atropelado pelo mês de novembro. E pena que dezembro entra anunciando meu desaniversario.
E seguindo os trâmites do destino Chiquinho completa seus quarenta e cinco anos. Não anus com u. Pois anus com u quer dizer por onde o dedo do urologista atrevidamente adentra na intenção de examinar a saúde da próstata.
E já que anos passam. Como a uva vira passa. E passa assemelha-se as faces enrugadas que acompanham a velhice. Ou senioridade. Melhor dizer sênior que velho. Pois velho nos dá a entender que nos tornamos um traste inútil. Coisa de se jogar fora.
E eis que o antes garoto Chiquinho se tornou o velho Chico. Perdoem-me se voltei a escrever velho. Contrariando meus conceitos sobre velhice.
E, já que no idoso as moléstias se aboletam. Os planos de saúde sobem como foguetes em direção a Júpiter. Aos setenta, embora ainda pensado gozar de boa saúde. Eis que num malfadado dia Chico caiu enfermo.
Era uma dor na virilha enorme consequente a um pisão em falso. Ele quase não podia levantar a perna esquerda. Passou a noite em claro apesar de do lado de fora da janela a escuridão dominasse.
Naquela noite o velho Chico teve um sonho. Ou melhor, fosse um pesadelo.
Sonhou que uma grave enfermidade nele pediu carona.
Era um tipo de câncer ou cousa parecida. O fato que ele, no sonho, perdera mais de trinta quilos. E sua aparência era nada mais que um anoréxico dependente de cocaína.
Durante este sonho Chico precisou recorrer a um hospital. Era uma casa de saúde de bom conceito em toda região. Com médicos renomados e uma equipe de enfermagem digna de notas como as do garoto Chiquinho nos bons tempos de menino.
Foi durante a madrugada que o idoso conseguiu, as custas de muito esforço e dor, chegar à porta do hospital. Trazia na algibeira a carteirinha de seu plano de saúde pois aquele nosocômio não atendia pelo SUS.
Manquitolando tropegamente, suando quente, depois de horas e horas intermináveis a espera da lotação. Pensando ser atendido prontamente. Mais um ledo engano.
A recepcionista, com aspecto mostrando cansaço, ao atendê-lo em suas pretensões, mal olhando em sua cara sofrida, em seu suor que o descabelava, disse, em alto e sonoro tom: “vai ali adiante e pega uma senha”.
Foi neste exato momento que o exausto Chico, com expressão indubitável de dor e sofrimento, desabou.
Pacientes acorreram em seu socorro. Enfermeiros nem mostraram as macas.
Mais de meio dia e nada de atenderem o pobre Chico.
Aquela terça feira era seu cumpleanos. Ele inaugurava setenta e quatro anos.
Depois de todo o ocorrido, sentindo-se o último dos moicanos de sua tribo.
O velho Chico acabou sendo internado na ortopedia. Com vários pinos e parafusos nos ossos de sua perna esquerda.
Foi quando lhe fiz uma breve visita como médico.
Comentei sobre o atendimento feito naquele hospital.
E ele me disse entre caretas de dor: “doutor. Que eu saiba antes que a gente, idosos, devíamos ser atendidos em primeiro lugar. Mas, depois de longas horas de espera fui atendido. Finalmente. Mas, pra mim prioridade deveria rimar e ser sinônimo de bondade e solidariedade. E não foi bem isso que me mostraram.”
E eu não tive como discordar dele.
Num é???