Nada como um dia depois do outro…

Era final de outubro. Quase dia de finados.

A vida não estava sendo nada fácil para aquele homem bom, estóico trabalhador, que vivia num lugarejo distante de tudo e de todos.

Chico Desventura nasceu num dia de finados. Há exatamente quarenta anos atrás.

Um dia resolveu se casar. Resolveu deixar a solteirice de lado. A solidão o importunava.

No entanto, por motivo assaz recheado de razão, Chico, num dia de feriado, encontrou a parceira aos beijos e abraços com um amigo chegado. Depois deste dia fatídico Chico Desventura jurou nunca mais se juntar a uma mulher qualquer.

Voltou a viver isolado. Neste mundão perdido. Num lugar ermo e isolado. Curtindo a sua solidão.

Ali Chico era feliz junto aos bichos de estimação.

Acordava cedo. Não perdia um só dia de trabalho. Era operário de construção civil.

De meia colher passou a ser mestre de obra. Tudo graças a sua dedicação.

Labutava desde as sete da manhã até às cinco da tarde. Era estimado por todos. Os engenheiros tinham por ele verdadeira devoção.

Um dia, do qual se lembra sem saudades, Chico acordou com uma estranha sensação de desconforto. Um dorzinha doída incomodava o andar de baixo. Era uma dor de barriga que se alastrou ao andar de cima.

Foi levado ao hospital por um vizinho. Ficou internado sem diagnóstico por uma semana inteirinha. Graças a um médico, que se condoeu do seu estado, acabou sendo operado equivocadamente de vesícula inflamada. Em verdade era um infarto que quase o levou à sepultura. Mais uma vez a sorte a ele sorriu. Recebeu alta pior de quando entrou.

Permaneceu em casa sentindo as mesmas dores de quando pela primeira vez. Tentou marcar uma consulta em outro especialista. No entanto a fila do SUS demorava mais de um mês inteiro.

Não lhe restou outra alternativa senão se consultar com um médico particular. Ali foi atendido por uma linda secretária.  A qual o recebeu com olhares gentis.

Depois da consulta, que durou mais que o previsto, Chico Desventura dali saiu com uma lista enorme de exames.

Foi ao laboratório saber em quanto ficariam os tais exames. Assustou-se com o preço cobrado.

E, mais uma vez teve de recorrer ao SUS.

Mais uma fila enorme o esperava. Somente em trinta dias conseguiria fazer os tais exames. E a dor ainda o incomodava. Mais ainda que da primeira vez.

Resolveu voltar ao serviço. Embora não tivesse nenhuma condição de trabalhar.

Dois dias depois, sentindo fortes dores no mesmo lugar, voltou ao mesmo hospital.

Desta vez não havia vagas. Foi encaminhado pela atendente a outro hospital.

Esperou mais de três horas inteiras para ser internado novamente. Para seu desespero, como não havia leitos, permaneceu numa maca dois dias inteiros.

Seu estado piorava intensamente. As dores se alastravam da cabeça a ponta do pé.

Mais uma vez foi operado. Amputaram-lhe a perna direita. Quando em verdade sofria de uma cruel enxaqueca.

No dia da alta, em cadeira de rodas, sem saber o que fazer, levaram o pobre Chico a uma agência da previdência social. Quem sabe ali conseguisse a tão sonhada aposentadoria.

No entando ainda não era sua vez. As agências do INSS estavam fechadas. Por causa de uma tal pandemia que não tinha fim.

Chico Desventura voltou a casa. Desesperançoso da vida.

No dia seguinte, pensando em dar cabo da vida, era quase dia de finados, Chico recebeu uma noticia alvissareira. Havia recebido uma herança enorme. De um tio, que não conhecia, só de ouvir falar, morto um mês antes.

Com o dinheiro herdado Chico enricou de vez.

Pena que veio a falecer exatamente no dia de finados.

Em seu epitáfio lia-se esta frase lapidar: “nada como um dia depois do outro”.

Foi quando pensei cá comigo – será?

Deixe uma resposta