Final de vida melancólico

Hoje, nesta quinta-feira do mês de outubro, amanhecer radiante, sol a brilhar no alto, céu azul, chovera durante a noite, acordei com uma estranha sensação de felicidade.

O quanto tenho a agradecer pela vida que tenho levado é pouco frente aqueles que experimentam o sofrimento, desde quando vieram ao mundo. Neste mundo tão díspare. Onde tantos têm tão pouco, e a maioria nada tem.

Felizmente nasci num lar abençoado. Meus pais tudo fizeram para que eu crescesse cercado de mimos. Estudasse numa boa escola. E, mais tarde, tivesse a chance de me graduar numa boa faculdade. Quis o futuro, que se vai distante, que tudo que sonhei foi convertido numa doce realidade.

Mas, no entanto, não foi isso que aconteceu a um amigo.

Ainda me lembro dele. Águas passadas ainda movem moinhos dentro de mim.

Bernardo, era este seu nome, foi meu colega, na mesma escola de medicina.

Estudamos juntos. Era um ano mais velho do que eu.

Bernardo veio de uma família pobre. Oriundo de outro estado mais ao norte do país.

Por seu jeito desconfiado, bastante arredio, orelhas de abano, cabeçona ancha, era apelidado de quase tudo: jumbo, cabeça de melão, balaio de gato, sanfona obesa, e outros mais.

Bernardo era bom estudante. Vivia num cortiço na capital mineira. Quase não tinha renda. Fazia bico para se manter na capital.

Ainda me lembro, certo dia, numa aula de anatomia, quando dissecávamos cadáveres, corpos estendidos naquela mesa fria, Bernardo chorou.

Um daqueles corpos esquálidos era em verdade seu pai.

Fomos apartados pelo tempo. Eu enveredei-me pela urologia. Ele, como não tinha recursos, teve, uma vez graduado, de se submeter a plantões exaustivos.   Dobrava a noite trabalhando em diversos hospitais.

Há tempos soube noticias dele.

Aos cinquenta anos contraiu tuberculose. Foi internado num sanatório. Foi onde enlouqueceu.

Felizmente, quando pensava que tudo estava perdido, naquela vida desregrada, veio a noticia que o amigo Bernardo recebeu alta. Considerado curado. Foi com enorme alivio que recebi a alvissareira novidade.

Ambos contávamos com exatos sessenta anos. O fato acontecido foi há dez anos atrás.

A vida continuava sorridente pro meu lado. Pra ele, nem tanto.

Ontem, outubro quase no seu ápice, soube noticias do amigo de faculdade.

Bernardo passou seus derradeiros dias internado num asilo.

Graças a uma pertinaz enfermidade, a tuberculose retornou, ainda mais grave, teve seus dois pulmões severamente acometidos, Bernardo veio a fechar os olhos.

No atestado de  óbito li: “causa mortis – final de vida melancólico, sem parentes, sem amigos”.

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