Um caso de amor que dura sessenta e cinco anos

Lá se vão os anos. A vida passa num piscar de olhos.

Quando nos vemos, não temos mais vinte anos. Acordamos trinta. E quantos anos perdidos se esvaem na bruma do tempo. Deixamos atrás a fase dos sonhos. Ao chegarmos à idade do ancião vivemos de recordações. Velhas lembranças, perdidas naquele velho álbum de fotografias, amarelecidas pelos anos.

Uma vez chegados à idade sênior pensamos ter cumprido nossa incumbência aqui na terra. Por sorte ainda temos saúde. E quando ela nos deixa. Aí, então, somos entregues ao leito de algum hospital. Ou asilados nunca casa de idosos qualquer. A mercê de enfermidades múltiplas. Entre elas cito a demência. Com olhos perdidos na imensidão do vazio. Olhares inexpressivos a espera da hora final. Que ela chegue sem dores. Sem sofrimentos maiores.

Aqui não nasci. Foi na bela Boa Esperanca. No distante ano de mil novecentos e quarenta e nove. Precisamente um sete de dezembro.

Nesta cidade, que considero meu berço, onde passei os melhores anos da minha infância perdida, minha juventude, onde meus ensinamentos começaram, a considero o meu verdadeiro rincão.

Foi naquela rua, que daqui se avista pelos fundos, a amada Costa Pereira, de onde trago as melhores recordações, onde aprendi a ter amigos. Muitos deles partiram rumo ao infinito. Pra onde irei numa data incerta. Tomara num trinta de fevereiro. Data improvável.  Pois ela não existe.

Ali passei parte da minha infância. Naquela casa, onde viveram meus pais. E eles se foram. Ali ainda vive a querida Rosinha. Um anjinho já em idade avançada. Rosinha se considera uma menina. Apesar dos seus mais de cinquenta anos.

Antes, do inicio desta pandemia, ao cair das tardes por ali passava. Já hoje, recomenda-me a prudência, a ter paciência, a espera de dias melhores.

Poucas vezes da minha querida Lavras me ausentei.

Foi para complementar os estudos. Fui para a capital mineira. No derradeiro ano do ensino médio. Ingressei na escola de medicina depois de um vestibular concorrido. Foram seis anos de um estudar constante. Depois de graduado outro caminho se interpôs entre mim e meu futuro.

A urologia me seduziu. Graças a uma pedrinha encravada no ureter. Que foi removida por um colega que já partiu.

Foram mais de três anos na especialidade.

Em terras de Espanha me pós graduei. Fui o pioneiro da urologia nesta cidade.

Aqui novamente finquei os pés, e o corpo veio junto, no distante ano de um mil novecentos e setenta e sete.

Permaneci solitário na especialidade por mais de vinteanos. Operando dia e noite nos três hospitais.

Foram noites indormidas. O telefone tilintava madrugada adentro. Tempos difíceis. Operações bem sucedidas eram realizadas. Outras, nem tanto.

Mas foram anos de muito crescimento profissional.

A melhor fase da minha vida devo a elas. As dedicadas enfermeiras. Muitas já se aposentaram. E eu continuo na lida.

Amo a minha cidade, não como madrasta. E sim como um mãe dedicada.

Amo Lavras a mercê dos seus defeitos. Dizem que ela só tem duas ruas. A que sobe e a que desce.

Que ela tem problemas. E quem não os têm?

Dizem, as más línguas, que Lavras não oferece muitos empregos. Que existem muitos jovens desempregados. Que ela vive em função de suas universidades. Que não existe vida em Lavras fora da UFLA. Nas férias a cidade ressente-se da falta de estudantes.

Mas a minha querida Lavras tem um comércio atuante. Que tem uma praça acolhedora. Que sua gente é hospitaleira. Que acolhe ao passante como se fosse de aqui.

Lavras é reconhecida pela beleza dos seus ipês. Que florescem em plena estiagem. Derramando suas flores lindas na relva ressequida do mês de agosto. Estendendo-se ao começo de setembro.

Amo Lavras apesar da política que dizem não traz nada de novo ao progresso da cidade.

Ela ainda sente a falta de indústrias que absorvam a mão de obra soberbamente dos jovens. Mas, como seu filho pródigo, que pra aqui voltou e não deseja mais sair, qual a melhor indústria que polua menos que a educação. Que continuem a fabricar escolas por todos os lugares da minha terra querida.

Amo Lavras apesar dos seus problemas. Dizem que o trânsito é ruim nas horas de pico. Mas experimentem trafegar por São Paulo. Considero uma tortura insana ficar preso naqueles engarrafamentos infernais.

Amo a minha querida Lavras como se ama a própria família. Ontem ela completou cento e oitenta e três anos. Muitos mais que os meus setenta.

Temos um caso de amor que sobrevive ao tempo. Bem sei que partirei bem antes dela. Mas, espero ser sepultado aqui mesmo. No mesmo túmulo dos meus pais.

 

 

Deixe uma resposta