” Doutor, agora é tarde”

A limitação dos filhos tem sido uma exigência dos tempos modernos.

Tem pais que optam por apenas um casal. Já outros decidem por apenas um.

Terceiros elegem por não ter nenhum.

A prudência recomenda, nestes tempos difíceis, que a redução da prole seja de bom tamanho para qualquer família.

Principalmente nestes tempos apertados, quando o ganho do pai de família foi reduzido a quantias mínimas. E mais de uma boquinha faminta para alimentar pode ser uma tarefa pesada demais.

Um dia, foi na semana retrasada, pelo telefone escutei uma vozinha vinda de longe.

“Doutor, desculpe-me a ligação que pode parecer inoportuna. Acontece que meu neto, um pobretão assumido, acaba de embarrigar mais uma mocinha. Com este conto cinco netos os quais nem conheço. Se continuar nesta conta em pouco tempo a minha cidade vai estar cheia de pessoinhas inocentes. E meu neto, inconsequente, vai povoar a cidade inteira. Sem nenhuma capacidade de cuidar nem dele mesmo”.

Escutei pacienciosamente ao reclame da preocupada avozinha. Esperei alguns minutos, que se alongarem mais do que isso, para entender o motivo de sua ligação.

Ela queria que o neto fizesse vasectomia. Mas o espertinho relutava, há tempos, em se submeter a esta sábia decisão.

Passaram-se meses. Um ano inteirinho dobrou a serra. E o neto continuava na sua missão inglória de povoar o mundo. Pelas contas da avozinha deveria ser mais uma dúzia de crianças nascidas daquele garanhão das quebradas. E o jovem mancebo contava com apenas dezenove anos. A continuar na sua lida em pouco tempo seriam incontáveis as suas crias.

Foi na semana passada que novamente aquela senhora me ligou. Desta vez ela tinha um argumento irrecusável. Ela iria depositar na minha conta bancária a importância referente ao custo da singela operação. Fiz um abatimento considerando-se o caso em questão.

Assim ela o fez.

Marcamos o procedimento para a próxima semana. Cairia numa sexta-feira. Já que o neto era trabalhador braçal. E precisava se recuperar para voltar ao serviço na semana entrante.

Sexta-feira, deste mês em curso, enfim chegou o dia e hora da tão esperada vasectomia. Como de praxe foram recomendados alguns procedimentos pré-operatórios.

Que ele depilasse criteriosamente a região a ser operada.  Que tomasse algumas gotinhas de dipirona. E chegasse antes da hora ao local onde seria realizada a operação.

Dito e acontecido.

Naquela manhã, antes das oito, enfim apareceu a Margarida. Que em verdade se chamava André. Veio quase a laço. Puxado pela avó.

Meio que ressabiado o impoluto rapaz, magricela como uma centopéia em regime de dieta, olhos esbugalhados, adentrou a minha sala para uma conversa introdutória.

Assim começamos a nossa prosa. Ele queria saber detalhes da cirurgia proposta.

Expliquei-lhe cuidadosamente nos mínimos detalhes. Que deveria fazer o exame do esperma de hoje a exatos trinta dias. Que neste interim ele continuaria fértil. E não deveria ter relações não ser com preservativo.

André parece que entendeu todas as explicações. Só que, ao final, quando a ele perguntei quantos filhos tinha, naquele presente momento, ele, depois de cocar a cabeça, refletir por alguns segundos, me respondeu: “doutor, agora é tarde. parece que encomendei mais de um”.

Depois da operação feita, não durou mais que dez minutos, do lado de fora da sala a avozinha, preocupada, me perguntou se tudo correu bem.

Mal sabia ela que agora era tarde. Mais um ou dois netinhos em pouco tempo seriam postos no mundo. Pela conta, sem exageros, deveriam ser mais de vinte.

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