Aquela vidinha que pedi a Deus

Todas as noites, ao deitar, oro por uma força superior.

Peço pelos meus familiares. Imploro por aqueles necessitados. Agradeço as graças recebidas. Quase só tenho a agradecer.

Antes de me deixar embalar pelos sonhos fecho os olhos. Por vezes o sono não vem. Mesmo assim, semiacordado, tento renegar os maus pensamentos. Que a noite venha mansamente. Que eu acorde disposto e feliz. Preparado para enfrentar galhardamente tudo que vem pela frente. E passe um novo dia cercado de amigos. E que possa fazer pelos que precisam um cadinho do que eles merecem. Embora não seja merecedor de tantas graças vindas do alto.

Tenho um amigo, oriundo de um pedaço de chão distante, que, sempre que passo por ele, lá pelas seis da tarde, um cadinho antes, percebo em seus olhos claros uma nesga de felicidade.

Ele sempre está feliz. Mesmo que as circunstâncias sejam adversas, e as contrariedades existam, seu Pedro da Dona Glória nunca me deixou transparecer, naquele ar de felicidade, um quezinho que não seja de alegria genuína.

Seu Pedro nunca esteve tão feliz quanto naquela tarde de outono. O céu estava cinzento. Parecia que iria chover. De fato. No entardecer das horas caiu uma chuva mansa. Conforme sua previsão acertada.

A nossa prosa estendeu-se por alguns minutos. Tinha tempo antes de voltar à cidade.

Trocamos amabilidades costumeiras. Só não apertei-lhe a mão por recomendação de manter o tal isolamento. Estávamos passando por aqueles tempos difíceis. Tudo indicava que o dia seria mais um a ser enfrentado sem sair às ruas.

Ele, dentro de sua calma costumeira, afiançou-me que tudo iria melhorar. Que em pouco tempo iria passar a tal doença. E a vida continuaria a sorrir para toda gente.

Dentro do meu descrédito duvidei de seus ensinamentos. Já se passara tanto tempo que quase não acreditava em mais nada. Hospitais recusando pacientes. Gente passando necessidades. Lojas fechando as portas. A crise se instalava sem precedentes.

Deixei o seu Pedro da Dona Glória naquele mesmo lugar por onde sempre passo. Sorrindo de tudo e para todos. Com um semblante de onde irradiava simpatia. Com aquele sorriso contagiante.

E eu, entregue aos meus pensamentos, pensando no dia que teria de enfrentar, correndo sempre de um lugar a outro, nada me fazia alegrar.

Ao chegar à cidade encontrei o mesmo cenário de outrora. Ruas vazias. Lojas tentando recomeçar.

À porta dos bancos filas enormes se formavam. Pessoas desesperadas aguardavam impacientes a abertura das agências bancárias. A procura daquele auxilio que mal dava para as despesas iniciais.

Já hoje, começo do mês de junho, ainda não faz tanto frio, apenas o céu se mostra cinzento, aqui estou à espera de um novo dia. Que ele seja tão ou mais feliz que o sorriso que se mostra nos lábios do Seu Pedro da Dona Glória. Pra ele tudo é bom. Mesmo que seja o contrário.

Aquela vidinha mansa é aquela que desejaria pra mim. Sem preocupações outras que não seja ser feliz.

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