Reaprendi, com você

Desde tempos pretéritos tenho levado a vida aos saltos e percalços.

O trabalho incansável sempre fez parte do meu viver.

Acordar cedo. Caminhar até o consultório. Escrever quando a inspiração dita. Atender pacientes a partir das oito. Mudar de trabalho. Atender em postos de saúde da minha cidade. Embora pouco possa fazer em meu oficio que sempre foi a medicina.

Antes, quando mais jovem, entre os hospitais me desdobrava. Ia de um para o outro . Sem tempo de pensar em mim. As noites quase todas passava em claro. Daí meu sono curto que me persegue até nos dias de hoje.

Sempre foi assim. De repente, com o tempo passando, com os anos se sucedendo, tentei impor novo ritmo ao meu viver.

Agora, depois de quase dobrar a serra, idoso me tornando, sou quase dono de mim mesmo.

Estou prestes a me aposentar do serviço público. Ainda me restam poucos meses para isso acontecer.

Confesso que começo sentir falta das colegas de trabalho. Aquelas enfermeiras dedicadas que até hoje ali militam. Considero-as amigas de verdade. Da mesma forma que considero meus pacientes verdadeiros confidentes. Não apenas doentes. Como pessoas que em mim confiam. E esperam, dentro dos meus conhecimentos, que eu consiga atenuar-lhes um cadinho os seus sofrimentos, embora por alguns pouco possa fazer.

Um dia, era um sábado, final de semana distante, quando retornei da minha rocinha prejuizenta, parei um cadiquinho nas proximidades de um banquinho tosco. Era uma grande pedra marmórea. Onde estava assentado, ao cair da tarde, um velho amigo.

Seu José Antônio, figura assaz conhecida por aquelas paragens, sempre me ensinou muitas coisas.

Durante a nossa prosa curta, sempre bem humorado, vendendo ou emprestando saúde por todos os poros, com ele troco inconfidências.

“Por que tanta pressa?” Diz ele. “A vida é curta. Não se apresse tanto. Um dia o mundo acaba. E você vai se acabar antes dele”.

Não tenho como não concordar com suas verdades. Mesmo assim continuo acelerado.

Volto à cidade. Na mesma rotina de sempre.

Aqui o trabalho me espera. Embora em circunstâncias distintas seja sempre a mesma rotina.

Da casa pro trabalho. Atendendo aqui e acolá. Mal tenho tempo para o descanso merecido. Afinal são quase cinquenta anos de formado. Nesta atividade desgastante que é a medicina.

Quando volto a minha rocinha, e reencontro meu amigo Zé Antônio, ali paro por alguns minutos, tento aprender com aquela pessoinha assaz simpática, alguns dos seus ensinamentos.

“Por que tanta pressa? A vida passa e a gente logo fica ultrapassado. Faça como eu. Respire fundo. Afinal ainda não é fim de mundo. Eu já vivi quase noventa anos. E me faltam muitos mais para poder viver” .

Da próxima vez que parar um cadinho, perto daquela enorme pedra marmórea, quem sabe consiga mudar de pensamento.

Ali vou ficar algum tempo mais. E, da próxima vez, espero poder dizer, ao velho amigo Zé: “desta vez acho que vou conseguir reaprender com você”.

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