Não fora pelo quase

Que tempos difíceis estamos vivendo.

A tal pandemia nos tem tirado do sério.

Leitos de hospitais lotados. Gente a espera daquele auxilio que pouco dura. Filas enormes se formam nas ruas. Máscaras são recomendadas a toda hora.

Contrariando as recomendações indivíduos se aglomeram. Ruas persistem apinhadas de pessoas. Famílias inteiras são condenadas ao isolamento. Como se fosse possível ficar em casa a espera de dias melhores. Quem sabe mudando a atitude de nossas autoridades seriamos mais felizes em busca de trabalho.

De tempos pra cá autorizaram as lojas a abrirem as portas. E o salário de quem não trabalha? Aquele pobre ambulante, que vive da sua banca, como fazer para que ele adquira os gêneros de primeira necessidade?

E assim caminha a desumanidade. Entre percalços, sofrimento, a procura de quê?  De nada.

Foi quando me encontrei, um dia, caminhando pelas ruas, ao final da tarde, caminhando sem ter aonde ir, dei de cara com um velho amigo.

Ele estava desempregado fazia tempo. Foi demitido por total insolvência de uma fábrica de periferia.

Ali produzia utensílios domésticos. Que por falta de mercado foi, pouco a pouco, levada à bancarrota.

Não restou ao meu amigo senão engrossar as estatísticas do desemprego. Era mais um, dentre tantos, a esmolar migalhas pelas esquinas da vida.

Foi quando o encontrei à porta de um banco. Ele estava com olheiras profundas. Sinal de mais uma noite indormida.

Proseamos por cerca de uma hora e meia. Foi quando soube do seu infortúnio. Mais um dentre tantos que hoje em dia perambulam pelo mundo.

Seu Rosendo estava à espera do auxílio emergencial. Passaram-se dias. Meses a espera de nada.

A cada vez que comparecia aquela agência bancária a resposta era a mesma: “seu cadastro não foi ainda aprovado. Volte depois”.

E ele voltava. E nada de ver depositada em sua conta àquela importância. Que tanto faria falta em seu orçamento.

A família de Seu Rosendo passava por enormes dificuldades. Com dois filhos menores, e a esposa a espera do terceiro rebento, nada poderiam fazer para atenuar o sofrimento.

As escolas ainda estavam de portas fechadas. Faltava merenda em casa. Os filhos passavam fome.

Naquela terça-feira, quando dei por ele a porta de um banco, percebi, dentro de seus olhos fundos, toda a evidência de tentar pôr fim à vida. O desespero tomava conta do meu velho amigo.

Por um triz salvei-o de um atropelamento. Ele tentou se jogar debaixo de um carro em movimento.

Passantes acorreram em nosso socorro. Foi quando uma ambulância o levou, quase morto, a um hospital perto de onde estávamos.

Um mês depois, durante a mesma caminhada, na mesma localidade, voltei a encontrar o mesmo amigo esmolando na calçada.

Foi quando ele me disse, com olhos rasos d’água: “quer saber o que me aconteceu? Fui salvo por um pouco. Ainda não foi desta vez que consegui partir deste mundo ingrato. Fui salvo pelo quase.”

Quem sabe da próxima vez ele consiga. Torço para que isso não aconteça. Que o quase o salve novamente. E o mundo inteiro tome jeito. Felizmente.

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