” Vamos mudar de assunto” ?

Seu Ariovaldo, cansado da mesma peleja, sempre dizia aos amigos, quando alguma coisa não ia bem: “Vamos mudar de assunto”. E continuava a lida. De enxada em punho, carpindo aqui e acolá, até o fechar os olhos do dia.

Essa era a vidinha descomplicada daquele homem bom.

Acostumado ao trabalho duro jamais pensou em se aposentar.

E, naquele ano de dois mil e vinte, completaria setenta primaveras, embora já fosse outono.

Acordar cedo sempre fazia parte dos seus planos.

Antes das seis da manhã já se punha de pé. Morava numa rocinha perdida nos cafundós do mundo. Era tão afastada da cidade que quando alguém por lá passava decerto havia errado caminho. E tinha de dar marcha-a-ré.

Era mês de março. Quase ao seu final.

Seu Ariovaldo morava em companhia dele mesmo. Não havia se casado. Daí a falta de familiares. Acostumado a solidão não se sentia só. Dos pais sentia uma saudade imensa.

Perdeu-os durante a mocidade. Ambos partiram deste mundo deixando uma lacuna enorme em seu coração.

Tinha por companhia apenas dois cães e um casal de gatos. Tratava-os como se fossem filhos. Mas bem que poderiam ser seus netos.

Naquele começo de outono não se falava noutra coisa. A tal pandemia provocada por um vírus importado mudou toda a rotina daquele fim de mundo.

Os vizinhos ficavam isolados. Cada um no seu canto. Confinados em suas casas. Sem poder mostrar o focinho do lado de fora da janela.

Daí a solidão maior que o bom Ariovaldo passou a sentir. Não tinha com quem prosear. A missa dos domingos, numa capelinha fincada no alto do morro, via de regra ficava vazia.

Pela televisão não se assistia outra coisa. Desde a manhã bem cedo, até o cair da noite alta, era só o tal vírus que dominava o noticiário.

No radinho de pilha era só a mesma cantilena. Conselhos, recomendações, era o que se escutava naquele aparelhinho falador.

Assim passavam os dias. Semanas intermináveis se sucediam na mesma sucessão de noticias ruins.

Não se falava noutra coisa. Era vírus pra cá, contaminados do lado de cá, o mundo inteiro se via em polvorosa. As ruas estavam vazias. Trabalhadores assustados, intimados com a situação aflitiva, temerosos de perder o emprego, rezavam em intenção de algum santo milagroso.

Mas a situação continuava de mal a pior.

Seu Ariovaldo, considerado grupo de risco devido à idade, embora em saúde perfeita, recusava-se a se manter em isolamento.

Continuava a fazer tudo que tinha direito. Ordenhava as vacas. Tirava tarefas. E, quando o tempo lhe sobrava ia a cidade comprar mantimentos.

Foi numa destas viagens quando foi parado logo à entrada da comunidade.

Um grupo de mascarados tentou impedir-lhe a intenção.

Seu Ariovaldo parou a carroça, nas proximidades do tal grupelho fantasiado, e simplesmente exigiu a sua entrada.

Um deles, parece que o líder da turma, foi quem exigiu-lhe os documentos. E qual seria o motivo da sua visita.

“O que o traz aqui? Não sabe do perigo do tal vírus? Siga as recomendações e se mantenha em isolamento. O senhor faz parte do grupo de risco. Volte pra onde veio”.

Seu Ariovaldo, tentando se manter calmo, embora soltando fogo pelas ventas, respondeu desamistosamente: “quer saber? Se estou aqui é porque preciso. Tenho de comprar suprimentos. E, antes que o atropele, e passe a minha carroça sobre vocês, que tal mudar de assunto”?

Já eu penso igual ao Seu Ariovaldo. Estou de saco cheio com o tal coronavirus. Que falta de assunto. Não seria melhor voltar ao trabalho? Do jeito que a coisa está em breve vamos morrer de fome. Desculpem-me a ignorância…

 

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