Vida nova? Pensou ele…

Até aquela idade nada estava sendo fácil para o nosso amigo.

Desempregado até os vinte e oito anos. Conseguiu estudar até o final do segundo grau.

Até aquela fase da vida Bernardo vivia de bicos. Nascido em família desestruturada. Os pais se separaram logo quando o menino Bernardo completou seus oito aninhos.

Acostumado a viver entre rusgas, que muitas vezes chegavam às agressões de parte a parte, o pobre Bernardinho não sabia dizer o que seria felicidade. Na escola as intempéries se sucediam. A professora por ele não tinha interesse. E o infeliz menino vivia solitário. Abandonado a um canto. Daí a sua evasão escolar antes de terminar o ano letivo.

Aos quinze anos o jovenzinho mal formado tentou viver por conta própria. Empregou-se numa mercearia da esquina da casa onde morava. Deixou o lar, que nunca foi um lar doce lar. E passou a viver numa república junto a alguns meninos como ele infelizes oriundos de lares mal amados.

Ali passou tempos obscuros. Sentindo-se alijado dos demais jovens pouco tempo suportou-lhes o convívio.

Aos dezoito anos passou a viver noutro logradouro. Por sorte o que ganhava na mercearia era o suficiente para manter as suas despesas.

Aos vinte anos completos caiu de amores por uma garota sua colega. Mas pouco durou aquele romance. Alice, vendo que o rapaz não tinha futuro deixou-o a ver navios.

Bernardo pensou que sua vidinha insossa havia terminado. Foi quando, numa noite sem estrelas, pensou em suicídio.

Salvou-o da morte certa uma alma piedosa. Justamente um desconhecido desatou-lhe o laço que ameaçava-lhe a sobrevivência.

Antes de se despedir daquele desconhecido Bernardo jurou que nunca mais cometeria aquele ato tresloucado.

E assim o fez. Aos trinta anos, completos naquela manhã de primavera, parecia que iria chover, algumas nuvens negras amontoavam-se no alto, já deixada a mocidade, Bernardo fez a si mesmo um voto de mudar de vida. Iria continuar os estudos. Embora parecesse tarde a vida para ele tinha perdido o sabor. Era uma vida amarga. Sem desejos de ir adiante.

Por sorte apareceu uma vaga numa universidade de bom conceito. E Bernardo conseguiu entrar na faculdade. Graças a um colega que a ele ofereceu os préstimos. E o ajudou a vencer o vestibular.

Foram cinco anos de um estudar constante. Bernardo bacharelou-se em direito. Certo que as causas iriam aparecer com o decorrer do tempo.

Mas foram anos e mais anos de desenganos. Escritório vazio. Os clientes, poucos que conseguiu conquistar, era gente pobre. Que mal podia pagar as petições. Os honorários advocatícios ficavam para um amanhã que nunca chegava.

As contas entulhavam o tampo da mesa. Bernardo mal tinha como sobreviver.

Até que um dia, finalmente, parece que a sorte sorriu para o jovem causídico.

Bernardo foi admitido como estagiário numa banca formada por profissionais experientes no campo jurídico. Foi uma sorte grande. Pensava ele.

Nos primeiros tempos parecia que a vida havia se transformado para aquele inexperiente profissional das leis.

Mas foi um ledo equívoco.

Numa manhã de primavera, precisamente numa manhã cinzenta, eis que adentra ao escritório um grupo de policiais federais. Eles tinham ordem de prisão contra o chefe do escritório. Mas o safado já havia escafedido na véspera. E quem pagou o pato?

Justamente o menos implicado na contravenção. O infeliz estagiário de plantão.

Bernardo pagou o pato. Foi preso acusado de desvio de dólares ao estrangeiro, formação de quadrilha e outros delitos maiores.

Amargou cana por alguns meses. Foi solto por falta de provas contra a sua pessoa.

Uma vez na rua, liberto por intercessão de um amigo, dos tempos de faculdade, Bernardo nunca incorreu noutro delito qualquer.

Passou tempos e tempos trabalhando duro numa padaria.

Foi naquele ambiente saudável que o velho Bernardo passou o resto dos seus dias.

Foi durante o nosso encontro, naquela mesma padaria, que com ele troquei estas palavras: “ainda bem que você conseguiu vida nova”.

Já ele, do outro lado do balcão, respondeu-me quase monossilabicamente: “vida nova? Até nos dias de agora não sei o significado de viver”.

 

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