Relembranças

Dentro de poucos meses comemoro meus setenta anos.

Hoje não sinto o peso da idade. Ao revés. Faço tudo que fazia antes. Ainda melhor. Creio eu.

Corro quando a tarde cai. Acordo cedo. Não tenho preguiça de começar o dia. Sinto no âmago uma alegria imensa de viver a vida. Tenho uma saúde a distribuir aos outros. Como médico me sinto a vontade de encarar as enfermidades já que as próprias ainda me dão descanso.

Tenho a clarividência de um jovenzinho depois de aprender que a vida tem seus atropelos. Falta-me talvez a paciência de um monge. Felizmente hoje me tornei avô. Como é bom passar horas ao lado dos netos. Ao lado deles me rejuvenesço. Quando seus pais chegam não lhes conto os senões. Escondo-lhes as travessuras como se fossem minhas.

Na idade que conto agora não tenho os mesmos problemas de outrora. Deixei a ambição para os mais jovens. Não tenho mais gana de amealhar patrimônio. Contento-me com o que recebo a cada dia. O pago que recebo pelo meu trabalho é mais do que suficiente para viver feliz.

Confesso certa ansiedade por observar a marcha claudicante por que passa o país. A violência desmedida. A crise do desemprego. Os assaltos que lotam as páginas dos jornais. A saúde à deriva. A mídia sempre sedenta de sangue. São fatos corriqueiros que gostaria que fossem mudados. Pena que tudo isso está longe de ver concretizado.

Fazendo um retorno ao passado como ele cada vez mais se mostra distante. Que saudade dos meus verdes anos. Como me aperta o peito a saudade dos meus pais.

No dia de amanhã, sete de junho, minha saudosa mãe fazia aniversário. Sete de junho já mereceu uma crônica minha. Toda recheada de saudades.

Meu pai partiu há exatos dezenove anos. Parece uma eternidade dentro das lembranças que ele deixou entronizadas dentro de mim.

Ainda me lembro da minha infância. Parte dela passada em Boa Esperanca. Cidade onde nasci. No entanto foi aqui que cresci. Naquela rua que se mostra pela metade. Por onde sempre passo ao cair das tardes.

Como me recordo, com saudades imensas, daquelas férias de fim de ano. Era numa fazenda, de um tio, irmão de meu pai, que passava quase um mês inteiro em companhia de umas primas de Varginha. Como eram formosas aquelas meninas. Hoje são avós, como eu. Quase não as vejo mais. Elas assinam Abreu.

Passam-me ainda, pelas lembranças, das casas onde morei. Uma delas foi onde passei os primeiros anos de quando me casei. Ali nasceu meu primeiro filho. Stenio agora é pai. Como é lindo meu netinho Gael.

Na outra, bem maior, foi construída a duras penas. Foi talvez a única edificação que construí. Já que livros não contam. Pois não são feitos de tijolos. E sim de páginas inspiradas no cotidiano rico.

Fazem ainda parte das minhas lembranças os cães que tive. Como eles eram amigos. Um deles, de nome Willie, viralatou de vez. O danadinho do Yorkshire, assim que lhe davam oportunidade se escafedia. Ainda me lembro de quando ele, na casa nova, escapou pela porta entreaberta, e nunca mais voltou. Talvez o Willie ainda viva. Fazem tantos anos que nem me lembro mais.

Relembro-me ainda, quando estudava naquele colégio cujo uniforme ainda é verde e branco. Tempos felizes. Bons companheiros. Professores de saudosa lembrança. Muitos já não vivem mais.

Fazem parte de minhas recordações os tempos do vestibular. Tempos difíceis. Concorrência ferrenha. Mas que foram vencidas sem muito esforço.

Lembro-me ainda, tempos mais recentes, de quando aqui cheguei, vindo da Espanha. Não me sentia preparado para voar sozinho. Mas pouco tempo durou a minha inexperiência. A Urologia é uma especialidade difícil. Cada vez mais sofisticada. Que exige muito aperfeiçoamento.

Hoje, quase aos setenta anos, se pudesse faria tudo de novo. A cada passo dado uma lembrança. Daqueles saudosos anos. Que infelizmente não voltam mais.

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