Doce infância

Ontem, quando fui buscar meu neto na escola, antes de abrir os portões, percebi uma turma de crianças correndo como se fossem papéis ao vento, sob a vigilância estreita de um professor.

Theo mal olhou em nossa direção. Parecia um passarinho avoando sem saber pra onde ia, alegre, olhinhos brilhantes, com aquela mesma felicidade que nutria antes, quando tinha a sua idade. Quantos anos isso faz?

Doce infância. Pensava eu.

Anos se passaram desde então. Hoje, velho feito, adulto desfeito, mal me enxergo quando ainda menino, brincava na Boa Esperança, junto aos meus pais.

O tempo passa. Leva com ele as melhores recordações de nossa vida. Que saudades eu tenho da minha infância perdida que os anos não trazem mais.

Meu consolo é ver meus netos dormindo. Talvez eles sonhem. Já eu não sonho mais.

Sonhos fazem parte da mocidade esvaída. Uma vez idosos, homens feitos, os sonhos já se perderam na bruma do tempo. Tudo que almejamos já pertencem ao passado. A profissão já foi escolhida. Bem ou mal nos enveredamos por ela. Se fomos felizes, ainda bem. Se não, não nos resta tempo de retrocedermos.  O que passou foi relegado ao olvido do esquecimento. Tudo que fizemos, de bom ou de mal, o desejo de mudar o mundo desapareceu num átimo de segundo. Infelizmente não nos resta muito tempo de vida. Quiçá alguns anos. Quantos mais?

Ontem, ao ver meu neto correndo, alegre e esbaforido, vieram-me às lembranças alguns anos atrás. Não me canso de dizer o quanto era parecido a ele. Pena que o tempo muda tanto a gente. Que, a me ver no espelho, não reconheço mais os traços de criança que eu tinha quando naquela idade tão linda. Cabelos lourinhos. Encaracolados, um tanto despenteados, desalinhados talvez.

Doce infância. Quando nossos pecados ainda eram perdoados pela nossa mãezinha querida. Um castigozinho nos punia quando nosso pai chegava. Uma vez assentados a cadeira da sala de visita, por uma hora tão somente, dali saíamos somente quando prometíamos não mais incorrer naquele senão. Mas quem dizia que aquela criança traquina emendava? Novamente o castigo nos marcava a bunda. Graças ao cinto velho, desafivelado da fivela, que nosso pai brandia com olhares de pena.

Doce infância. Que saudades me passam pelas lembranças de quando eu, naquele clube vizinho a nossa casa, pulava daquele trampolim, que hoje não existe mais, e quase esborrachava a minha testa ancha na beira da piscina, agora de águas tépidas e cristalinas, como o abraço de minha mãe.

Doce infância. Das ingênuas lembranças das férias de fim de anos, caso eu passasse sem recuperação me esperava um mês inteiro na fazenda de um tio meu, de mesmo sobrenome Abreu, o sempre bonachão tio Zito, que o céu levou para morar a tantos anos atrás.

Doce infância. Tempos de brinquedos pueris. Os mesmos que meus netos agora brincam. Ainda me lembro daquela bicicleta de rodinhas amarelas, presente de Natal, que logo que aprendi a me equilibrar me desvencilhei daquelas rodinhas, no entando não fui capaz de me desvencilhar da saudade que o passado me traz.

Doce infância. Felizes lembranças de um tempo fecundo em alegria. Quando ainda não pensávamos em tristeza. Particularidade da idade em que me encontro agora.

Doce infância. Quando ainda tinha meus pais ao lado. Orientando-me pelo caminho certo. Entretanto eu, contrariando-lhes as orientações, insistia em persistir no erro, mas logo voltava atrás.

Doce infância. Velhas lembranças.

São tantas, tamanhas, que se ficasse aqui enumerando todas elas, gastaria um tempo enorme. Coisa que infelizmente não tenho mais.

 

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