Olhando pra trás

Bem sei que se deve olhar adiante, sempre, continuamente.

Entretanto, sem querer, olho ao viés do que sou. Enquanto sou. Enquanto minha vida durar. De hoje a não sei quantos anos mais.

O passado me corteja. Em sua direção olho. Embora ele se distancie cada vez mais.

Afinal são quase setenta anos bem vividos. Todos eles entremeados de alegrias e tristezas. Quem não as têm? Não fujo a regra. Nem sou exceção a ela.

Sou um mero mortal. Quem sou eu para cortejar a imortalidade? Imaginem o mundo onde as pessoas não morressem. Seria um amontoado de gente. Neste planeta tão lindo não caberiam tantas pessoas. Este ir e vir faz parte de nossa história. Desde quando nos conhecemos por gente.

Olhando pelo retrovisor da minha existência abundam fatos felizes. Conquanto as tristezas existam. Não tenho do que me queixar da minha vida até então.

Nasci numa família bem constituída. Meus pais me deram tudo que precisava. Com eles vivi anos fecundos. De muito amor. De respeito. Recheado de afeto sincero.

Através deles aprendi tantas coisas. Que não se deve desdenhar dos mais humildes. Que todos somos iguais. Embora nascidos em berços díspares.

Olhando pra trás, tempos antes, como gostaria que a infância não fosse retratada apenas em fotografias. Que a gente não envelhecesse. Que a juventude perdurasse. Que a saudade não apertasse tanto a alma da gente.

Olhando um cadinho atrás, de quando fui diplomado em medicina, se pudesse faria tudo de novo. Como me sinto bem ainda sendo capaz de atenuar dores e dissabores.

Olhando pra trás, de onde estou, agora cedo, neste dia lindo, se pudesse vivenciar tudo de novo, desde quando menino, confesso que não teria a desfaçatez de ir caminho inverso. De adulto passado, ancião que ainda não me sinto, aquela criança traquinas, que de vez em quando ficava de castigo, por alguma travessura brejeira.

Olhando pelo viés da minha vida, desde a infância perdida, se pudesse, e meu desejo fosse concretizado, não deixaria nunca de ser menino. Embora a idade me tenha consumido.

Olhando pra trás, desde agora a tempos antigos, não perderia nunca meus pais. Mas, nos dias de hoje, bem sei que a vida tem destas coisas.

Olhando pra trás, muitos anos mais, que saudade me cavouca a alma, daquelas férias de fim de ano. Foi naquela rocinha singela que aprendi a amar os bichos. Até hoje tenho por eles o maior apreço.

Olhando ao longe, na minha infância perdida, como me dá vontade de brincar com aqueles coleguinhas de escola. Pena que muitos já não mais estão entre nós. Já partiram rumo ao infinito.

Olhando pelas páginas amarelecidas da minha história como gostaria de recontar as mesmas histórias para meus netinhos. Pena que agora o Netflix introduziu outros personagens mais atraentes aquela dos três porquinhos.

Olhando, olhos lacrimejantes, pelo viés da minha vida, como gostaria que meus equívocos não se repetissem. Pena que meus acertos foram tão poucos. Ainda dá tempo, creio eu, de corrigir tantos senões.

Ainda olho em direção ao passado. Bem sei que o presente é que conta.

Mas nesta altura da minha existência, bem sei que os anos não voltam mais, como gostaria de recontar a minha história. Sonegando as tristezas. Anotando somente as alegrias.

Mas como elas estão entremeadas não tenho como me olvidar de todas elas.

Olhando pra trás me revejo, na plenitude da minha vida.

 

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