No mais tardar…

Antes tarde do que nunca. Dizia um amigo meu, madrugão, que acordava cedo pensando no que fazer durante o dia.

Era um aposentado na vida.

João sempre trabalhou desde tenra idade. Foi entregador de jornal. Estafeta de recado. Aos doze anos empregou-se numa lavanderia. Ali fazia de tudo um pouco. Esforçado, graças aos seus préstimos o gerente da loja o levou ao degrau mais alto daquela loja enorme. Joãozinho estudou até onde pode. Mas como tinha de ajudar no sustento da casa não foi além do curso médio. Parou ao completar quinze anos. Foi quando o conheci. Foi na época que o menino Joãozinho foi atropelado por um ônibus lotado. Dele só restou a esperança de um dia andar no novamente. O que não aconteceu, infelizmente.

Foi inspirado no garoto Joãozinho que pensei no que escrever hoje cedo.

Hoje estou sessenta e nove anos. Logo irei completar setenta. No mais tardar em alguns anos mais deixarei os setenta. Para continuar minha caminhada vida afora. Quantos anos mais? Nem sequer imagino.

Daí o meu compromisso em desfrutar o resto de vida que ainda tenho com qualidade. Sempre faço o que me apraz. Acordo ao despertar do sol. Escrevo antes das oito. Atendo depois desta hora. Procuro caminhar sempre mais. Leio menos do que escrevo. Procuro estar a par dos acontecimentos dos tempos presentes. Embora não permita que as más notícias me façam perder o sono.  Não me considero um alienado. Preocupa-me a situação do país. Embora pouco possa fazer para mudar o status quo pelo menos faço a minha parte. Não me deixo corromper pelos maus exemplos que pululam por aí. Como médico não permito que os pacientes me esperem. Chego à hora prevista, nos dois empregos pelos quais tenho o maior apreço.

No mais tardar amanhã, ou seria depois de outro amanhã, não sei o que a vida me reserva. Posso estar bem de saúde. Mas, caso as enfermidades apareçam, estarei preparado para ficar no leito? A espera de dias melhores? Inválido, precisando da compaixão de terceiros? Tomara não.

No mais tardar amanhã, quando estarei setentando, será que continuarei com a saúde que ora me abraça? Com a disposição que agora me acompanha? Como não sei prever faço por onde tudo isso acontecer. Não tenho vícios maiores. A não ser viver em intensidade plena. Não fumo. Não bebo além da conta. Não passo dos limites nas minhas atividades físicas. Se bem que seja viciado em exercício me permito moderação.

Antes corria mais de trinta quilômetros. Agora evito as estradas. Contento-me em exercitar-me nas academias. Naquele ambiente sadio. Fora da inclemência do sol.

Quando conheci o Joãozinho ele ainda andava sem a ajuda de aparelhos. Agora ele está preso a uma cama. Um aposentado aos menos de vinte anos.

Daí o meu cuidado em continuar a viver segundo as minhas possibilidades. Que são restritas devido à idade.

Não mais tardar num dia qualquer talvez esteja como meu amigo Joãozinho. Aposentado precocemente devido a um acidente banal.

Até que isso aconteça procuro policiar meu ímpeto. Estou cônscio das minhas limitações. Prudente dentro das minhas conveniências.

No mais tardar amanhã, quiçá depois de depois de outro amanhã, quando a vida não mais me sorrir, quem sabe o que irá me suceder. Nem eu mesmo sei.

Daí, pensando no que vai ser amanhã, ou noutro dia qualquer, quando deixar de viver, estarei preparado, sem sofrer, para enfrentar os desígnios de Deus. Como estou agora. No mais tardar amanhã.

Com a disposição que me acompanha nos dias de hoje, tomara sempre, enquanto me sobrar energia, no mais tardar de algum dia, estarei feliz, hoje e sempre, na intenção pura e simples de sobreviver. Com a alegria de sempre. No mais tardar de algum dia. Que este dia dure uma eternidade. Embora nada é eterno. Enquanto durar a minha empatia pela vida, que ela faça parte do melhor dos meus dias. É o que espero. No mais tardar de algum dia. E que dia será este? Nem quero saber. Nem sequer imagino.

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