Hoje é quarta-feira

O carnaval transformou-se em cinzas. Desfeita a folia.

A chuva parece ter dado trégua.

Agora o sol brilha forte. Esta quarta-feira amanheceu de um azul radiante.

Foram quatro dias de carnaval. Dias de descanso para alguns. De beberagens para quem aprecia as festas de Momo.

Já gostei de carnaval.

Como eram bons aqueles feriados. Quando a criança que morava em mim olhava, com olhares de puro brilho, as pessoas dançarem embaladas por músicas de rico lirismo.

Não me esqueço daquela Máscara Negra. Da Colombina que desapareceu num baile qualquer. E por onde anda o seu Pierrô? Será que ele, depois de um porre homérico, anda caído por alguma sarjeta? Ou simplesmente foi devorado pela voracidade do tempo? Que nos devora os sentimentos. Deixando por detrás um rastro de ressentimentos. Do tamanho da saudade que sinto dos bons tempos de antigamente.

Já não aprecio mais o carnaval. Não por culpa dele. Que mudou bastante. Agora o tal carnaval da minha infância se transformou numa festança para turista ver.

A violência tomou conta dos antigos bailes de carnaval. As drogas pesadas substituíram o cheiro gostoso do lança perfume. O vou beijar-te agora, não me leve a mal, não mais existe. Quem ousa beijar alguém durante a folia corre o risco de ser preso por assédio sexual.

As fantasias caricatas, baratas, ingênuas, cederam lugar a verdadeiras ostentações à pobreza. Já que vivemos em meio à miséria dos barracos. Onde pessoas miseráveis vivem a margem da sociedade. Sem saber o que vai ser no dia seguinte após uma tempestade.

Já apreciei bem mais os festejos carnavalescos. Eles pra mim perderam o brilho. Nem mesmo aos desfiles pela televisão assisto mais. Prefiro a eles um bom filme. Ou o bucolismo de uma casa beira lago.

Hoje é quarta-feira. Dia quando em verdade começa o ano. Dia de arregaçar as mangas e voltar ao trabalho. Pagar as contas. Constatar o saldo bancário. O rombo de nosso cheque especial.

Hoje é quarta-feira. Na parte da tarde recomeça novo ciclo. Março, em seu começo, indica um período de reflexão e introspeção.

A quaresma vem a seguir. A semana santa nos convida a pensar na vida. Se ela tem sido boa, ou apenas razoável. O que fazer para torná-la melhor?

O carnaval se perdeu em cinzas. As ruas estão silenciosas. Os ânimos serenaram.

Hoje é quarta-feira de cinzas. Quantas pessoas perderam a vida durante a folia do carnaval. Teria valido a pena tanta algazarra? Tanta ressaca? Não sei. Tantos gastos desnecessários? Tantas mortes acontecidas? Tantas prisões, tanta violência incontida?

Hoje recomeça em verdade o ano. Que bom que o carnaval se foi. Em seu lugar ficaram as cinzas de um Manuel qualquer, de um pobre Joaquim que foi assaltado, e infelizmente veio a falecer.

Que venham outros carnavais. Mais sem os exageros atuais. Que as festas transcorram em paz. Sem a violência desmedida do que se tornou o carnaval de agora. Sem que pessoas inocentes percam a vida nas estradas. Em suas voltas pra casa que infelizmente foi adiada para nunca mais.

Hoje é quarta-feira de cinzas. Finou-se o carnaval.

Pra mim, nessa altura da minha existência, na beira dos setenta, tanta faz. Confesso uma nostalgia imensa dos carnavais de outrora.

Agora, torço para que as festas terminem logo. Já gostei de carnaval.

Felizmente a quarta-feira chegou. O ano recomeça. Em meio à turbulência politica. A crise que arreganha os dentes.

O que fazer de agora em diante? Começar tudo de novo.

Afinal hoje é quarta-feira, restos de um carnaval que passou. E o tempo passa a galope. E o Brasil deve se preocupar com tantos problemas a serem solucionados, de repente, que tal repensarmos tudo que aconteceu durante o carnaval?

Teria valido a pena?  Na minha modesta opinião outras prioridades existem.

Que cada um de nós pense, nesta quarta-feira, o que faremos de agora em diante? Já que felizmente terminou o carnaval.

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