Saudades

Palavrinha marota esta que tantas vezes me assalta. No plural ou no singular da igual.

Sentimento estranho, indefinível, mais fácil de sentir, que costuma doer, certas vezes.

Intraduzível em outros idiomas. Não sabia como se escreve saudade em alemão. Agora aprendi (sehnsucht).

Peculiaridade própria de pessoas sensíveis. Que se deixam enternecer por um simples olhar o passado, por ver um igual padecendo de alguma enfermidade, por uma perda irreparável, por uma despedida de um ente querido.

Não se mede saudade por uma fita métrica. Nem mesmo em jardas ou polegadas. Ela se mede sim naqueles instantes quando alguém nos deixa. Quando perdemos um amigo. Um parente. Ou simplesmente ao constatarmos, de repente, o quanto foi difícil nos despedirmos de um amor que se foi, sem a menor chance de encontrá-lo novamente.

Saudades sentimos todos os momentos de nossa vida. Comigo acontece assim.

Sinto saudade da minha infância perdida. Dos bons tempos naquela escola. Dos colegas que partiram. Dos meus pais, principalmente, quantas saudades sinto.

Aperta-me o peito a saudade daqueles com quem convivi na infância. Quantos da minha idade não mais estão aqui. Quando vou ao campo santo costumo visitar alguns túmulos. Dos meus pais, de alguns amigos, de aparentados, tios, avôs, minhas queridas avozinhas, e até mesmo de alguns desconhecidos.

A saudade se faz presente em quase todos os momentos de minha vida. Quando acordo, ao dormir, ao olhar pela janela aquela rua, por onde passo todas as tardes. Agora mesmo, nesta sexta-feira, prenúncio de mais uma final de semana, a mesma saudade deixou-me com o coração partido.

Ainda me lembro, saudades ecoam, quanto tive meus pais nos braços, na véspera de suas despedidas. Como me senti impotente, de braços atados, sem nada poder fazer para que eles ficassem comigo.

Meu pai teve uma morte anunciada. A doença que o acometeu foi dura demais para com todos nós. No estado em que ele se encontrava confesso, como médico, foi melhor que assim acontecesse. Ninguém merece todo aquele sofrimento. A doença de Alzheimer ceifa vidas de um modo inconveniente. Só quem assistiu aqueles olhares perdidos no vazio do nada bem sabe avaliar a extensão desta cruel enfermidade.

Sinto saudade de quando ele me acompanhava no jogo de tênis. Jogávamos em dupla. Do outro lado amigos, dos quais sinto imensa saudade, eram nossos adversários, apesar de amigos próximos.

Sinto saudade da comidinha que minha mãe preparava. Quando ausente daquela casa, da Rua Costa Pereira, para ali voltava, de Belo Horizonte, com que apetite nos assentávamos à mesa, a mesma que até hoje existe, em longos papos, durante as refeições.

A mesma saudade de quando ela me ajudava a preparar a mala, resumida a algumas peças apenas, de volta a capital, para completar minha formação na medicina.

E que saudade sinto ainda, tempos depois, ao ver minha pequena jornalista, agora mãe de dois netinhos, partia rumo ao Rio de Janeiro, cidade pela qual tem verdadeira adoração. Talvez seja a mesma saudade do meu filho mais velho, de sua esposa, e do meu outro neto, quando eles viajam a sua cidade, felizmente pertinho de aqui.

Quantas saudades povoam-me as lembranças. São tantas, incontáveis tantas.

Das férias de final de ano, quando podia descansar da escola por dois meses inteiros. Que saudades de dezembro e janeiro, dos natais passados, dos carnavais antigos.

Que saudade ainda tenho dos bailes de carnaval. Daquela máscara negra, do vou beijar-te agora, pois hoje é carnaval.

Sentir saudade talvez seja privilégio dos anciãos. Gente nova não sente saudade. Pois quando se é jovem o passado vem perto. E a gente, já experiente na vida, invariavelmente nunca nos esquecemos do passado.

Sentir saudade por vezes dói. Mas é uma dor saborosa. Que costuma aquecer nossas entranhas. Faz-nos reviver coisas e loisas passadas de rico sabor.

Agora mesmo sinto saudade. De tantas coisas, tantas, que nem sei avaliar quantas serão.

No dia em que não sentir saudades prefiro me despedir. Da vida. Pois então, naquele momento quando deixar a saudade de lado, deixando de existir, quiçá as pessoas sintam saudade de mim. Talvez seja melhor assim.

 

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