Bem que gostaria

Os gostos e desgostos variam em fases da vida.

Em menino apreciava brincar. Uma vez feito jovem, compenetrado, estudioso, os gostos mudaram. Passei a gostar de estudar. Depois de adulto formado o trabalho me cativou. E agora, uma vez idoso, como acho prazeroso olhar para trás.

Vislumbrar o passado tem me seduzido cada vez mais. Por isso, ainda cedo, antes das sete da manhã, daqui do alto, da janela do sétimo andar, com o prédio ainda vazio, percebo, lá embaixo, a rua onde cresci. Foi ali que meus pais viveram. Foi lá que identifiquei o que seja amor. Foi naquela casa, tinta de saudade, que completei meus cinco anos. Não foi lá que nasci. Despontei rumo à vida em outra cidade. Pertinho da nossa Lavras querida. Noutra localidade aprazível, de nome Boa Esperança. Onde poucas vezes retornei. Poucas lembranças ali deixei.

Não digo que bem que gostaria de ter nascido na minha Lavras. Seria uma descortesia para com os boa-esperancenses. Mas, ainda digo, e reafirmo, que considero Lavras a minha cidade, pois aqui passei a infância, a mocidade, até me mudar para a capital, onde completei minha formação, até no presente momento incompleta, pois ainda pretendo viver muito mais, pois até hoje não me considero uma pessoa completa, faltam alguns detalhes, pequenos senões devem ser modificados.

Bem que gostaria de recomeçar tudo de novo. Para corrigir as imperfeições e me fazer uma pessoa melhor. Bem sei que em mim sobram defeitos. Sou por demais ansioso. Durmo pouco. Não tenho pela noite em alto conceito. Prefiro a sonoridade das manhãs. O clarume dos dias. O nascer do sol. O despencar da chuva.

Bem que gostaria de amainar a vontade que sinto de domesticar a ansiedade. Mas até hoje foram debaldes as tentativas.

Como apreciaria viver num mundo mais calmo. Sem a correria desenfreada do dia a dia. Sem a procura obstinada pelo lucro fácil. Sem que a luta fosse tão renhida como tem sido viver.

Bem que gostaria que as crianças, as quais um dia fui, tivessem iguais oportunidades. E a maioria, em nosso país, não fossem relegadas a segundo plano. Não pudessem desfrutar as mesmas chances que outras, bem nascidas, de terem uma educação esmerada, e fossem marginalizadas pela sociedade pelo único fato de serem pobres.

E como gostaria que a relação entre pais e filhos fosse bem melhor que em alguns casos tem sido. Muitos filhos não respeitam os pais. Não ouvem seus conselhos, a maior parte deles sábios.

Como apreciaria que nossa gente não sofresse tanto. Não ficasse a mercê da corrupção que infelizmente acontece. Que o fosso social não fosse tão acachapante. Que a miséria não maculasse tanto a bandeira nacional.

Como gostaria que o sol brilhasse pra todos. Indistintamente de onde nasceram. Que entre os ricos e pobres não se aprofundasse tanto o desnível de classe.

Bem que gostaria que muita coisa mudasse. Que a cordialidade imperasse. Que a boa vontade fosse de certa forma estendida em todos os lugares possíveis e imaginários. Que nosso povo tivesse iguais oportunidades de trabalho. E que o desemprego não fosse tão prevalente. Como tem sido nos tempos atuais.

Como gostaria que a chuva caísse no tempo certo. Que não provocasse catástrofes ambientais.

Bem que gostaria que todo mundo tivesse a inocência das crianças. Doce infância, que não volta jamais.

Bem que gostaria que todos os sonhos fossem realizados. Que pais não tivessem a infelicidade de enterrar os filhos, como recentemente aconteceu no Rio de Janeiro.

Como gostaria que nosso Brasil encontrasse seu rumo. E não ficasse como uma nau a deriva. Ameaçando soçobrar em águas revoltas.

Bem que gostaria que muitas coisas mudassem. Não faltassem escolas de qualidade. Que as crianças, principalmente elas, pudessem desfrutar de uma infância sadia, sem que a maldade dos adultos pervertessem-nas algum dia.

E como gostaria que tudo isso não ficasse apenas no papel. Nas minhas intenções. De um velho que ainda não me sinto.

E, quando a vida me levar embora, para algum lugar desconhecido, alguém se lembre deste escrito.

Bem que gostaria que alguém passasse os olhos neste texto. E se lembrasse do que foi dito.

E como gostaria…

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