Frustração do Zé Esperança

Zé sempre teve um sonho na vida.

Fazer dos filhos pessoas melhores que a vida a ele brindou.

Desde menino Zé sempre trabalhou pesado. O tempo escasso, a falta de estudos, fizeram dele um homem sem tempo. E sem perspectivas de crescimento.

O pai, gente de mãos caludas, nascido e criado na roça, era analfabeto por completo. Mal sabia assinar o nome. Morreu aos cinquenta anos. De doença não identificada, pois, naqueles idos anos a medicina praticada não era tão moderna como nos dias de hoje.

A mãe sucedeu o marido nas exéquias fúnebres. Por isso o garoto José, antes dos dez anos completos, teve de tomar às costas todo o fardo pesado da pouca idade.

Vivendo na roça, o menino tinha de se virar como podia. Acordava ao cantar do galo, ia ao curral, ordenhava as poucas vaquinhas herança de família, tratava das galinhas que avoavam em bando fugindo do gambá, e conseguia conciliar no sono antes das seis da tarde. Daí não teve como frequentar a escola. Uma pequena escolinha rural que acabou se mudando pra cidade.

Aos pouco mais de vinte anos se consorciou a uma mulher em quem deitou os olhos e foi uma paixão ao primeiro entrecruzar de olhares.

Com ela teve dois filhos. Neste tempo, de saudosas lembranças, foi a época mais feliz de sua vida. Os dois filhos tiveram a oportunidade de cursar o primeiro grau. Zé estava certo que ambos seriam encaminhados a um futuro melhor que o seu.

Mas, devido a crise por que o país passava, novamente a história se repetiu. Os dois filhos, por morarem na roça, não tiveram a chance de continuar os estudos.

Zé não desistiu do sonho de fazer dos filhos pessoas com mais oportunidades de se darem bem. Resolveu, em comum acordão com a patroa, colocar a propriedade a venda. A pequena rocinha foi vendida por uma mixaria. Que mal dava para comprar uma casinha tosca na cidade. Pra onde se mudou de mala e embornal vazio, cheio de esperança em dias melhores.

A família do Zé Esperança passou tempos amargos naquela cidade quase desconhecida.

Chegaram cheios de fé. Sempre acreditaram nas pessoas. Acontece, assim que deixaram as malas na rodoviária, apareceu, do nada, um gatuno que logo cuidou de levar-lhes os pertences.

Todos os quatro se viram em grandes contratempos. Sem dinheiro, sem roupas, por sorte a importância da venda da roça estava com um dos filhos do pobre Zé.

Logo partiram rumo ao centro da cidade. Na doce esperança de comprar uma casinha, desde que fosse pequena, mas seria o lar onde sempre desejaram morar.

Transação feita. Chave na mão. O corretor, um sujeito de maus bofes, levou a família a um bairro de má fama. Era um lugar tão ermo que ficava mais longe que a roça de onde vieram. Para chegar à escola os filhos de Zé tinham de tomar duas conduções.

Mesmo sofrendo toda a sorte de percalços Zé jamais perdeu a esperança de encaminhar os filhos a um destino mais alvissareiro que foi o seu.

Os filhos de Zé eram bons alunos. Só que, uma vez na escola, vindos da roça, como se viver no campo fosse um defeito, com aquele sotaque caipira não lhes restou alternativa se não sofrer toda a gama de preconceito. Os colegas chamavam o mais velho de Dumbo. Por causa daquela orelha de abano. O segundo, com um nariz adunco, era chamado de Pinóquio. Embora a mentira não lhe fizesse parte dos seus poucos anos.

Ambos terminaram os estudos com notas razoáveis. Só que tinham de ir mais além. Quem sabe cursar uma faculdade?

Foi aí que a panela vazou. Passar no vestibular de uma universidade pública tornou-se missão impossível. A concorrência era enorme. E outros mais capacitados eram os vitoriosos, via de sempre.

Zé Esperança, desempregado, vivendo de bicos, lavava carros, carpia lotes baldios, viu esboroarem-se todos os sonhos de ver os filhos virarem gente da prateleira de cima.

Era véspera de eleição. Domingo próximo todos deveria escolher entre dois candidatos a presidente.

Zé, cheio de esperança em um Brasil melhor, escolheu aquele em quem mais confiava.

E ele venceu a disputa acirrada. Voto a voto Zé acompanhou a apuração.

Prometendo mundos e fundos, o tal candidato, vitorioso no pleito, tomou posse prometendo um país melhor.

Mas foi mera ilusão. No ano seguinte continuou tudo como era dantes. A falta de emprego, a violência continuou ainda pior, a crise lambia tudo com sua língua faminta.

Os filhos de José voltaram pra roça. Seguindo o destino do pai.

Zé Esperanca, que sempre depositou todas as suas fichas num país melhor, na esperança de mudanças concretas, vendo tudo desmoronar, não teve outra alternativa. Acabou se mudando de país. Quem sabe lá ele vai ser feliz? Oxalá.

A frustração do Zé Esperança é a mesma que a minha.  Desde que me entendo por gente. Desde quando nasci.

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