Tiãozinho Gota de Orvalho

Aquela manhã acordou nevoenta em pleno começo de setembro.

Uma chuvinha abençoada caiu em gotas miúdas a noite passada.

Como foi benvinda a chuva. Antes tudo estava ressequido naquelas plagas, esquecidas de tudo e de todos, onde os moradores viviam da renda do leite, mal pago na entressafra.

O pai do garoto Tiãozinho, homem trabalhador, acordava ao despertar da madrugada. Mal tinha tempo de tomar um café requentado. Com ele uma broa de milho, um pão amanhecido, e um ovo frito na gordura de porco.

E logo ia ao curral ordenhar as vacas, já famintas esperando a silagem de milho, e um cadinho de farelo de trigo, para dar um cheiro apetitoso aquele capim ressecado.

A mãe de Tiãozinho havia partido rumo ao céu. Depois de pertinaz enfermidade ela se foi. Deixando uma lacuna imensa em seu lugar.

O garoto, com seis anos completos naquele setembro iluminado, depois de acordado tomava o ônibus escolar e ia, junto aos demais coleguinhas, a uma escolinha que antes era perto da porteira. Mas depois a levaram para a cidade. Foi uma pena quando assim procederam.

Na volta deveria,  além de fazer a lição de casa, ajudar ao pai nas tarefas diárias. Ele mesmo dava de comer aos porcos, alimentar as galinhas e colher os ovos que sobraram da fome dos gambás comedores de ovos frescos.

Tiãozinho era um poetinha nato. Fazia versos com tanto capricho que acabou editando um pequeno livro de poesias.

Logo cedo, assim que deixava a cama, o garoto inspirado saía de casa observando a pastaria.

Ali passava horas atento às gotas de orvalho. Como adorava ver, na pontinha do capim, aquelas gotinhas minúsculas de raro brilho, que logo desapareciam assim que o sol se tornava mais forte.

Sobre elas fazia versos. Um deles até foi premiado num concurso de poesia. Bastante comentado pelas professoras do curso primário.

Tiãozinho infelizmente cresceu. Não muito, diga-se de passagem. De menino acabou se tornando jovem. De jovem acabou virando adulto.

Mas nunca, até a idade que contava agora, conseguiu se afastar das gotas de orvalho. Quando não as encontrava tornava-se taciturno e sombrio. Faltava-lhe alguma coisa. As gotas de orvalho eram o combustível para continuar vivendo.

Numa bela manhã de primavera Tião acordou cedo. Já era adulto feito. Contava com quase trintanos.

O pai, já velho ancião, não mais tinha condição e saúde para cuidar do gado. Agora quem se dedicava de corpo e alma as lidas na roça era Sebastião.

Ele não continuou os estudos por falta de tempo e oportunidades. Já que tinha a roça para se dedicar. Não que lhe faltasse vontade. Era inteligente. Poderia ser doutor. Ou realizado noutra atividade qualquer.

Um dia o pai também foi ao céu. Encontrar-se com a mulher que tanto amava.

Tiãozinho acabou só. Com seus versos, com a inspiração que nunca o abandonou.

Aos quase quarenta anos, na mesma lida de sempre, acordando cedo, indo ao curral ordenhar as vacas, depois de alimentá-las com cana picada, e um cadinho de ração, quase nada, naquele ano a roça de milho não vingou, Tiãozinho, como de costume, deu uma passadinha para admirar as gotas de orvalho.

Naquela manhã elas estavam lindas. Uma infinidade adornava a ponta dos capins. Mais parecendo uma teia de aranha infinita.

Passou quase a metade do dia admirando a maravilha da natureza. Esqueceu-se de tudo. Acabou adormecendo sobre as gotas de orvalho.

Nunca mais Tiãozinho acordou. Dormiu para sempre naquele leito sedutor.

Ainda hoje, nos arrabaldes, tornou-se lenda o caso do não mais jovem Sebastião.

Comentam, aos quatro ventos, que ele acabou despedindo-se da vida ali mesmo. Entre as gotas de orvalho que tanto amava. Naquele capinzal frondoso. Seu corpo ficou insepulto. Tornando-se uma gotinha de orvalho. Que nunca se evaporou.

Um dia, ao passar por ali, juro que ouvi um canto triste. Era um verso de poucas letras. Que falaram do amor que uma pessoa tinha pelas gotas de orvalho.

Acabei acreditando no que dizia a lenda. Pois a inspiração que me assalta agora é a mesma que um dia tomou conta do menino Tião. O qual amava acima de tudo as gotas de orvalho. Como eu amo a vida. E tudo que a rodeia.

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