Mariazinha e a flor da jabuticaba

Naquele ano não choveu na época certa.  Por isso as jabuticabeiras não floriram.

No seguinte se deu o mesmo fato. Novamente as flores brancas não deram frutos.

Mariazinha, filha do dono daquela pequena propriedade olhava as árvores vetustas com olhos de admiração e simpatia.

Ela não via a hora de ver as flores branquinhas, de repente, advindas do nada, se transformarem em frutinhas a princípio verdes, que pouco a pouco sofriam uma transformação maravilhosa. Ao final do ano, quando as chuvas dessem o ar da graça, frutas maduras agarravam-se aos galhos, desde o tronco aos mais finos no topo da jabuticabeira.

E como Mariazinha apreciava subir no pé de jabuticaba! Saborear uma a uma as tais frutinhas maduras, tendo o cuidado de não derriçar as outras irmãs que tombariam ao chão, servindo de pasto aos marimbondos, ou a outros insetos oportunistas, ou até mesmo ver as maritacas gritadeiras avoarem em bando por aquele céu colorido de cinza, devido à chuva que caía ao final do ano.

A meninazinha, apaixonada pelas jabuticabeiras, ali plantadas por sua avozinha, sempre cuidava para que elas dessem frutos mesmo fora de época.

Para isso aproveitava uma réstia de água da mina, levando-a até no pé da jabuticabeira, para que a árvore sempre ficasse irrigada.

Mas naquele ano não choveu como se previa. A mina secou. Os pés de jabuticaba não deram frutos. Nem as florzinhas se metamorfosearam em frutos. A princípio frutinhas verdinhas, depois negras como noites sem lua.

Foi uma decepção enorme para a garota que amava as flores da jabuticabeira.

Ela acordava cedo. Distribuía milho às galinhas. Cuidava dos patos que logo iam nadar num pequeno lago feito perto dos pés de jabuticaba.

Sucederam-se anos. Mais desenganos para a infeliz meninazinha. Quase cinco anos sem chover. E nada de as flores das jabuticabeiras darem o ar de suas graças.

Foi em agosto que as chuvas voltaram. De começo tímidas. Arredias.

Mariazinha, na época, contava com quase dez anos.

Era boa aluna na escola. Uma escolinha rural. Que ficava na porteira da propriedade de seus pais. Mas um dia a mesma escola se mudou para cidade. E com ela se mudou a infeliz Mariazinha.

Era tempo de mudar da roça pra cidade. Com mais idade, como na roça mulher não tem futuro, para continuar os estudos Mariazinha teria duas opções. Ou se mudar para a casa de uns tios, ou tomar todas as manhãs um pequeno ônibus que a levaria a outra escola.

Lógico que ela preferiu continuar na roça. Pois esperava ver, numa tarde ensolarada, depois de uma chuva criadeira, as flores da jabuticabeira se transformarem em frutos maduros. Depois de deixarem o verde para trás.

Assim aconteceu. Era mês de agosto. A seca tintava tudo ao derredor de um amarelo poeirento. De repente nuvens se formaram. O céu tintou-se de cinza escuro. Depois faíscas, trovões, anunciaram a presença da tão esperada chuva.

Choveu a encher açudes antes de fundo rachado. Choveu a fazer transbordarem riachos.

Mariazinha, antes de tomar o ônibus que a levaria à escola, todos os dias ia ver como estavam os pés de jabuticabas.

Até que um dia, era final de agosto, bem antes das seis da manhã, quando a menina foi ter ao fundo de casa, viu, olhinhos arregalados, flores brancas começarem a se formar.

Maravilhada comparecia, todos os dias, bem cedo, acompanhando o desenvolver das florzinhas brancas que enlaçavam o tronco da velha jabuticabeira. Depois ia à escola. Ansiosa para terminar o dia passando antes pelas jabuticabeiras tão queridas.

Mas, ao contrário do que se previa, por excesso de chuva os frutos não vingaram. E as florzinhas brancas eram atiradas ao chão, não dando chance de as flores enfrutecerem.

Mariazinha não dormiu naquela noite. Passou-a em claro. Naquele dia não foi à escola.

Passou toda manhã, até cair a noite, vigiando os pés de jabuticaba.

Olhava as florzinhas desgarradas com olhos rasos d’água. Não foi capaz de fazer com que elas se transformassem em frutos. Naquele ano as jabuticabeiras não deram nada.

Uma vez feita mulher, sempre cuidando dos pés de jabuticaba, Mariazinha veio a morrer. Prematuramente, dizem nos arrabaldes.

Contam na região, que depois do passamento de Mariazinha, todos os anos os pés de jabuticabas enchiam-se de flores branquinhas. Nunca mais a florada se perdeu. Nunca mais Mariazinha entristeceu.

Foi ontem que passei pelas jabuticabeiras. Uma delas sorriu pra mim. E penso que ouvi, um tanto quanto encabulado: “quer saber quem sou eu? Sou a garota que sempre espera que as flores das jabuticabeiras se abram. Meu nome é Mariazinha”.

Deixei aquele lugar encantado com as flores das jabuticabeiras. Não me atrevi a subir nos pés. Temeroso de fazer mal a pobre Mariazinha. Que hoje virou lenda. Figura antológica venerada em todos os cantos. Graças ao encanto das flores de jabuticaba. Que fazem a alegria da criançada, e até do velho ancião no qual me transformei.

Deixe uma resposta