Ela, que vivia de lembranças

Tem o meu aceite viver pensando no passado. Não tanto exagerado como aquela moça, não tão jovem ainda, a qual passou metade da sua existência dedicando-se a velhas recordações.

Mariana era seu nome. Somos aparentados por parte de pai. Assinamos Abreu.

Na nossa infância convivemos mais. Já hoje o destino nos separou. Cada um pro seu lado apenas nos víamos através dos whatsapp.

Todos os dias dela recebia mensagens. Vídeos inspirados, montados durante as madrugadas. Os quais retratavam instantes de nossa família, fotos antigas e outras mais recentes.

Mariana não se casou. Passou toda a mocidade, inclusive nos dias de hoje, dedicando-se de corpo e alma aos pais amantíssimos.

Solteirona convicta teve experiências malogradas ao lado de homens que não a amaram como merecia. Mariana ainda conserva nos traços a mesma beleza dos velhos tempos.

Morena na medida certa. Cabelos castanhos que a neve dos anos ainda não encobriu. Corpo anguloso e sedutor. Boca enorme de onde se pode ver dentes perfeitos.

Mas a maior virtude de Mariana é a capacidade de amar. Não aos homens com quem conviveu. E sim aos parentes a quem cuidou com tanto amor.

Agora ela tem quase a mesma idade que a minha. Não vou declinar-lhe os anos para evitar indiscrição.

Em algumas vezes estivemos juntos. Conto nos dedos quantas vezes foram.

Recentemente veio a falecer seu pai amado. Com que dedicação ela cuidava dele até a sua despedida. Era uma fervorosa devota de alguns santos. Pelo whatsapp sempre me mandava orações.

Mariana passou toda sua vida cuidando de sua família. Era dedicada filha. Não pensava noutra coisa senão viajar ao lado de pai e mãe. Era além de motorista zelosa cuidadora. Seu pai, meu tio, veio a falecer em suas mãos.

O tempo passava. Mariana continuava na sua vida sempre pensando no passado. O presente a ela se resumia a passar os dias montando aqueles vídeos cheios de velhas recordações.

Em quase todas as madrugadas recebia aquelas mensagens puras. Penso que a querida Mariana não fazia outra coisa senão montar aquelas imagens nostálgicas, recheadas de momentos inesquecíveis para ela.

Durante as noites Mariana não dormia. Sempre pensando na vida. Nas lembranças fugidias. No pai de pouco falecido.

O tempo passou. Envelhecemos. Quem, de repente, não se desvencilha dos anos?

Mariana e eu em pouco tempo ficamos mais velhos. Em pouco tempo despediríamos da vida.

Eu vivo pensando nos anos passados. Mariana só pensava neles.

Só que eu vivo ainda o presente. De olhos atentos ao que o futuro me reserva.

Ela coleciona fotos antigas. Já eu coleciono fotografias que ainda não foram feitas.

A diferença que existe entre nós se resume nisso.

Ela vive apenas de lembranças. Eu penso bastante na minha infância. Nos verdes anos que não voltam mais. Mas, o presente a ele cortejo. Sem me desvencilhar do passado. Ambos somos dotados de enorme sensibilidade. Mas ela, quando é demasiada, faz sofrer ainda mais.

A moça, de nome Mariana, tempos depois, veio a morrer de nostalgia. Seu último vídeo não foi a mim enviado. Talvez o receba quando não mais estiver por aqui. Cercado de anjos, ao lado dela, minha querida Mariana, pessoinha linda, a qual sempre se dedicou a família, pensando na vida pregressa.

Ela, que sempre se cercou de lembranças , acabou por se tornar uma recordação apenas. Sempre inspirando saudades. Dos parentes os quais amava acima de tudo. Como ela amou seus pais.

Viver de lembranças enseja saudade. Mas, quando a lembrança faz doer, melhor esquecer. E pensar que o viver deve ser prazeroso. Tão lindo como o dia de hoje. Tão inebriante como foi o passado. Cercado de doces recordações.

 

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