Não gostaria

Tantas coisas nos ensejam saudades, tantas, que nem sei quantas seriam.

Confesso não gostaria de sentir, ou fazer, tantas coisas que tenho feito, muitas vezes refém do afogadilho, do desassossego, do fato inconteste de que sou presa fácil da ansiedade, tentando domar a sofreguidão dos anos, debalde.

Já fui menos ávido por abocanhar o mundo entre meus braços.

Em criança era mais tranquilo. Calminho, poder-se-ia dizer.

Pena que esta mesma criança cresceu. A idade a envolveu de tal maneira que não sei como me desvencilhar dela.

Talvez seja pela pressa de não chegar àquela idade tão próxima do fim. E tento viver os derradeiros instantes que me sobram antes de fechar os olhos. E me despedir finalmente de tantas coisas que amei tanto. Entre elas a vida a qual cortejo tanto, sobremodos nestas horas madrugadoras, quando um sol frio brilha forte, tentando afugentar o frio que fez dormir a noite.

Antes das sete é o momento exato que a inspiração me faz deitar no computador tantos escritos que até perdi a conta de quantos serão. Depois me aquieto. Mas na manhã seguinte, depois de uma noite curta, volto a pensar na vida, aqui, solitário no sétimo andar do meu consultório.

Tenho pela vida uma paixão imorredoura. Não sei o que vai ser de mim quando minhas horas acabarem nesta terra abençoada por uma entidade superior. Melhor que esteja de olhos fechados para não ver tantas lágrimas derramadas ao meu redor. Que sejam lágrimas verdadeiras. Não dissimuladas como eu não nunca fui.

Não gostaria, nesta altura do meu viver, de passar por tantas contrariedades que a vida me fez passar. Confesso que outras pessoas passaram por mais percalços. Mas graças ao bom Pai tive forças para chegar onde estou.  Ainda incólume aos ressentimentos.

Da saúde não tenho do que me queixar. Da lucidez definitivamente não deixo de me vangloriar. Assim como da capacidade de amar, não quero me desvencilhar. De me apiedar dos menos afortunados, ai de mim se um dia acontecer.

Definitivamente não gostaria de ficar doente. Atado a um leito. Respirando por aparelhos. Refém de cuidadores de velhos. Sem poder dizer o quanto apreciaria que a morte me viesse buscar.

Não gostaria de deixar de amar a outrem como amo as pessoas queridas que me rodeiam.

Jamais, em são consciência, gostaria de deixar a vida sem deixar saudade do que fui. Entre tantos eus que tentei ser. Muitos deles não fui capaz. Mas bem que sofismei.

Em definitivo não gostaria de deixar desafetos pelos caminhos que trilhei. Mas se os deixei que me perdoem. Não queria que pensassem mal de mim.

Não apreciaria que depois de meu passamento me esquecessem facilmente. Talvez, quando lerem algumas de minhas obras, elas falassem um cadinho de minhas predileções e sensações terrenas.

E elas foram tantas, quantos os livros que deixei escritos.

Não gostaria nunca que as pessoas que me sucederem comentassem, an passant, o quanto fui mesquinho e egocêntrico. Definitivamente não me considero assim.

Da mesma forma que minhas parcas qualidades fossem exaltadas, meus defeitos muitos fossem sublimados, minhas ambições enterradas numa cova rasa, meus problemas fossem da mesma forma amenos, facilmente solucionados quando ainda em vida.

Não gostaria de que se lembrassem de mim como um idoso decrépito e fora do juízo. Mas sim como um menino artioso e ladino como meu primeiro neto Theo.

Jamais gostaria de que, quando pensarem no que fui, o fizessem com o mesmo carinho que dediquei aos meus pacientes, muitos gostaram da minha pessoa afável, aos que não apreciaram as minhas mais humildes desculpas, enfim.

Não apreciaria, que, assim que eu partir, fizessem de mim um juízo leviano. Pois, se falei abertamente a alguém, que não entendeu a minha fala, e a ela levou a sério, causou-lhe contrariedade, foi num momento desprovido de razão. E quantos de vocês não passaram por momentos iguais. Considerem como um ato falho. Todos temos direto a eles.

Jamais me perdoaria se, por um descuido, passei a qualquer um de vocês uma imagem díspare do que sou. Por vezes me descuido. Naqueles momentos delicados. Quando acordo depois de uma noite mal dormida.

Hoje acordei de bem com a vida. Aliás sempre a trato bem. Hoje é sexta-feira. Dia que antecede o sábado. Com ele vem o domingo.

E, em definitivo não gostaria que o final de semana de vocês fosse menos ensolarado que o meu.  E que a alegria predominasse. A felicidade enchesse seus lares de sorrisos abertos. Fica aqui meu manifesto. Meu carinho. Meus votos sinceros de que não gostaria nunca que falassem apenas dos meus senões. E sim dos meus acertos. E, se foram muitos, penhoradamente agradeço.

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