Naquela face crispada a angústia do desalento

A situação andava capenga para aquele trabalhador desempregado há anos afastado do serviço.

Não que ele não quisesse trabalhar. Hábil no trato com a enxada, com a enxó fazia diabruras na madeira bruta.

Mas, por falta de oportunidades, já que o trabalho na roça sugava-lhe todo o tempo, incontáveis tarefas faziam dele um escravo das horas, Pedro acordava junto às galinhas.

Era ele e nada mais que sua pessoa que fazia todo o serviço. Alimentava aquelas vaquinhas sem pedigree, dava de comer às galinhas, tirava no próprio punho mais de duzentos litros de leite, que eram acondicionados em latões enferrujados, muitos litros se perdiam no azedume dos dias quentes, e o que a ele sobrava mal dava para as despesas do dia após dia.

Mas Pedro amava aquilo tudo. Caso o tirassem do seu palmo de chão não sei o que seria do seu futuro. Ele amava a solidão. Não se casou por opção própria. Embora uma ou outra mulher com ela dividisse o colchão.

Ele vivia dias e dias sonhando com uma vida melhor. Ali mesmo, na sua rocinha encantada, afastada de tudo e de todos, cheia de canarinhos da terra ciscando o esterco do curral, maritacas gritadeiras empestavam os pés de jabuticaba ao fim do ano, jacus piando, mal se podia vê-los no meio das árvores de rica sombra, vacas parindo a sombra da noite, bezerrinhos novinhos mamando aquele colostro rico em vitamina, até mesmo a égua mansa com quem diziam ter um caso. O velho cupim que o diga.

Mas, naquela entressafra seca, a chuva se despediu fazia tempo, a poeira tomava conta de tudo.

Setembro passou em branco. Um branco encardido em amarelo. Outubro a chuva não deu notícias. Nem mesmo novembro ela não deu o ar da graça.

E era tempo de plantar a roça de milho.

E Pedro assim o fez. Pensando que logo cairia a abençoada água do céu.

Dezembro frustrou-lhe todas as expectativas. Nada de a tal chuva chegar.

As sementinhas não emergiram da terra. Foi uma perda total.

E como passar o inverno, sem nada naquele buraco fundo, onde o milho picado seria armazenado até azedar?

Pedro não teve outra opção se não vender as vacas. Mas viver de quê? Se elas eram sua única fonte de renda?

Numa tarde, da qual jamais vai esquecer, despediu-se de sua rocinha querida, que foi passada adiante a um compadre velho conhecido.

Pedro partiu rumo à cidade. Levando com ele além da saudade os parcos pertences que havia juntado durante anos e desenganos, de sua pequena propriedade.

Uma vez apeado do ônibus lotado, a ele foi indicado uma pensão de quinta. Era onde podia se hospedar. Já que não tinha parentes naquele lugar.

No dia seguinte partiu em busca de trabalho. Com um currículo de vida resumido a duas linhas apenas: trabalhador rural e só, com suas mãos caludas, com sua tez tostada de sol, passou dias e dias a procura de emprego.

Perdeu a conta em quantas portas fechadas bateu. Primeiro uma loja de material de construção fez-lhe ver que nada havia a oferecer. A seguir, já um tanto desesperançoso de conseguir serviço, numa padaria nada poderia fazer. Assim passaram os dias. Seguidos de noites insones.

Todas as manhãs era a mesma rotina. E nada de novo.  De repente bateu-lhe uma saudade imensa da sua rocinha falida. Pelo menos ali teria a companhia dos seus bichos amigos.

Um mês depois, vendo esvaírem-se as economias de uma vida inteira, só restava quase nada, Pedro pensou em dar cabo da vida.

Só não o fez por culpa daquele dia lindo que amanheceu. Era finado julho. Dia quente, sol a pino.

Foi quando, ao descer a rua, seguindo a mesma rotina, deparei-me com um senhor assentado defronte a uma pensão, velha conhecida nas minhas andanças madrugadas.

Ele trazia na face crispada toda a angústia da esperança morta. Olhos vermelhos, perdidos no nada, sinais de abandono naquele corpo carcomido pelos anos. Era o velho Pedro. Mais um desempregado neste país onde as estatísticas mostram o quanto estamos perdidos.  Dentro de um cenário bisonho. Com mais de treze milhões de desempregados. Perambulando pelas ruas em busca de trabalho.

Aquela face crispada mostrava a angústia do desalento. Mais um brasileiro perdido neste país a deriva. Que não sabe o que fazer para contornar a imensa crise que nos rodeia.

Dias depois soube notícias do velho Pedro. Ele voltou a sua rocinha. Num caixão escuro, enterrado como indigente, debaixo da velha mangueira onde as maritacas gritadeiras faziam ninho.

 

 

 

 

 

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