O entregador de jornais

Toninho, desde que me entendo por gente, e olha que já faz tanto tempo, só tinha uma ocupação em sua vidinha modesta.

Ele vivia da renda de entregar jornais pelas ruas da cidade. Andava sempre com um maço deles debaixo do braço, cumprimentando a um, bulindo com outro, sempre alegre e comunicativo.

Quando não encontrava o endereço do assinante acabava tentando vender os que sobravam.

E ele vivia dessa maneira itinerante. De porta em porta, com a sua simpatia verdadeira, aquele sorriso brejeiro não era o espelho de vendedores falsos, que exibem na face o sorriso do lagarto, e mordem por trás de quem não lhes comprou o produto.

Toninho e eu tínhamos a mesma idade. Ainda me lembro de quando lhe fiz uma vasectomia. Ele suportou a pequena cirurgia de olhinhos fechados.

Pela conta daquele ano ele contava com três filhos da primeira mulher. Mais dois da outra com quem vivia jurando amor de verdade. E a receita de vender jornais mal dava para sustentar ele mesmo. O que dizer de mais duas ou cinco bocas famintas?

E como ele me agradeceu, olhos marejados de lágrimas, assim que a ele anunciei que após trinta dias, depois de comprovar pelo laboratório que seu exame de esperma estava zerado, o pobre Toninho poderia se deitar com qualquer mulher sem risco de engravidá-la.

Passaram-se anos. Não sei quantos desenganos o pobre rapaz teve pela frente. O fato é que a todos enfrentava com o mesmo sorriso escancarado. Nunca o vi triste. Até naquela manhã de sábado.

Era ele mesmo quem entregava o noticioso semanal na porta da minha casa. Quando nos encontrávamos era uma festa. Não tinha champanhe, nem mesmo uma cervejinha gelada. Mas de tanta conversa caíamos em sonoras gargalhadas.

Pena que os jornais impressos estavam com os dias contados. A internet, com seus portais noticiosos, os sites particulares, as tais redes sociais haviam colocado uma pá de cal na vida dos jornais emersos de gráficas.

Alguns ainda sobrevivem país afora. Apenas os grandes são lidos ou assinados. E as assinaturas custam os olhos da cara.

Desde quando, em nossa cidade, os jornais tiveram fim, o pobre Toninho acabou por mudar de vida. A única fonte de renda estava exaurida. E ele ainda tinha muitas bocas famintas a sustentar.

De entregador de jornais passou a ser andador em busca de trabalho. E, com a crise que se alastrava em todas as partes não estava sendo fácil conseguir emprego de carteira assinada.

Toninho não tinha formação profissional. Seu sucinto currículo vitae apenas mostrava duas linhas: “entregador de jornal e caminhador inveterado”.

Dois anos depois do fim dos jornais impressos ainda se podia ver o pobre Toninho em sua luta rotineira. Sempre caminhando pelas ruas da cidade. A procura de trabalho.

Parece que foi ontem que o vi subindo a rua. Trasanteontem também se deu o mesmo entrecruzar de olhos. Percebi-o tristonho e acabrunhado. Não tive tempo de parar e saber como estava sendo sua vida.

Meses se passaram. Toninho desapareceu dos meus olhos. E creio que de outras pessoas se deu igual.

Onde estaria o alegre entregador de jornais a deriva? Teria ele conseguido o tão sonhado emprego.

A ausência de Toninho me fez pensar no pior. Quem soubesse do seu paradeiro por favor me dissesse. Deixei escrito numa das crônicas passadas.

Um ano depois do sumiço do Toninho, já desiludido de conseguir boas novidades dele, pelo mesmo veículo que tomou lugar dos jornais impressos, um site noticioso, no qual passo os olhos no despertar da manhã, soube, numa das últimas linhas, que uma fatalidade havia acontecido ao meu amigo Toninho.

Durante uma caminhada errante, um tanto desatento, poder-se-ia dizer atarantado, o já não tão jovem entregador de jornais foi atropelado por um caminhão desgovernado.

Toninho teve morte súbita. Embora houvesse sido levado a um hospital no local do atropelamento foi-lhe constatado o óbito.

Não tive como acompanhar-lhe o sepultamento. Nem sei nem em qual cemitério repousam seus restos mortais.

Para finalizar este texto, que nem sei se verdadeiro ou fruto de mais uma invencionice minha, Toninho em verdade existe, e ainda está bem vivo, alegre e sorridente, quero aqui deixar registado meu pesar pelo fim não do protagonista desta história triste. Com desfecho inverídico. Em parte…

Que pena que os jornais impressos estejam com os dias contados. Há os que preferem ler notícias ou textos impressos em periódicos semanais. Na roça onde passo os finais de semana não é possível plugar a internet. Muito menos em outros arrabaldes onde a internet não pode ser acessada.

O entregador de jornais ainda não morreu. Mas, já que nas pequenas cidades sepultaram os jornais impressos, mais uma vez sinto falta deles. Como sinto falta daquele rapaz clarinho, que nos finais de semana entregava o meu jornal na porta de minha casa. E hoje não entrega mais.

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