Estive pensando

Zé Mané, ou podia ser outro João qualquer, acordou cedo nesta manhã fria de inverno.

A temperatura oscilava entre dez graus e um cadinho mais. Pessoas deixavam suas camas quentinhas, enroladas em grossos cobertores de boa marca, tiritavam de frio. Logo ao sair à rua deparei-me com esta triste realidade nua e crua.

Na pracinha onde passou a noite, coberto apenas por sua miséria, ao seu lado um cachorro amigo agasalhava-se junto dele, pássaros madrugadores entoavam seus cantos madrugais.

Uma velha mochila guardava seus parcos pertences. Uma troca de roupa, em verdade eram três, objetos de uso pessoal, uma velha carteira vazia, sem lenço ou documento, outro morador de rua, seu companheiro de infortúnio havia furtado a pequena quantia de míseros vinte reais a noite passada.

Quando passei pela pracinha onde dormiu, não sei como, o infeliz Zé Mané, ele fumava um cigarrinho de palha. Ignoro-lhe o conteúdo. Se maconha ou outra droga mais nociva ainda.

Mais abaixo, poucos metros adiante, outro morador de rua, ainda sonolento, preparava-se para enfrentar novo dia. Pela cidade inteira outros iguais por certo passaram a noite na rua.

Zé Mané nunca teve profissão definida. Desde que saiu de casa, aliás, foi escorraçado pela família como um cão sarnento, tentou mudar de vida sem conseguir seu intento.

Como se dar bem neste país onde gente diplomada, capacitada, passa tempos e tempos atrás de trabalho, e nada?

O destino do infeliz Zé Mané assemelha-se a muitos que passam a vida inteira, para eles bem curta, fazendo malabares nos semáforos, de chapéu na mão, em esquinas movimentadas, mendigando as sobras, coletando migalhas, dormitando como podem em pracinhas como aquela perto de onde moro.

Ontem foi dia de jogo da seleção brasileira. Como a imensa maioria dos cidadãos mais afortunados de nosso país pude assistir ao jogo confortavelmente assentado a uma cadeira macia, num bar movimentado. A cada jogada dos nossos craques da bola, felizmente nossos atletas não se viram atraídos pelo crack, era uma sonora ovação. A vitória foi celebrada como se nós estivéssemos em campo. Tomara, com alguns jogos a mais, a taça tão importante, não sei se tanto, vai fazer parte de nossa coleção.

Vivemos e convivemos num país díspare. Onde muitos têm tanto, e a outros lhes faltam mais que tanto.

Estive pensando nos salários dos nossos jogadores. Em seus ganhos mensais. Caso eles vençam o certame quais seriam seus prêmios?  E a que férias teriam direito?

Hoje, bem cedo, passei pela pracinha onde acordava Zé Mané. Que bem poderia ser José. Ou outro brasileirinho qualquer.

Pensamentos variados passaram-me pelas ideias. Quanta disparidade existe em nosso país.

Ao lado de cidadãos endinheirados perambulam pelas ruas desempregados múltiplos. Ao lado de milionários corruptos corruptores se gabam de suas fortunas no estrangeiro. Em contraste marcante a ricos de berço outros, mal nascidos, ainda procuram seu ganha pão cavoucando sacos de lixo.

Logo a copa do mundo vai terminar. Seremos vitoriosos ou não? Cabe pensar em outras vitórias.

O que vai ser dos Zés Manés ao fim da copa? A situação vai melhorar?

Estive pensando no day after após a vitória da nossa seleção recheada de craques da bola. A derrota dos viciados em crack não nos faz tanta diferença. Mas deveria. Os Zés Manes continuarão ao desalento. Mendigando ao relento. Usando drogas. Para eles a vida vai continuar a ser uma droga de vida. Para nós, brasileiros pensantes, que não se contentam com tamanha injustiça, vai ser como agora. Sem teto, sem afeto, saltimbancos malabaristas se exibindo nos sinais luminosos como única forma de viver a vida.

Não sei se pensar tanto vai mudar o status quo. Mas quem sabe?  Sonhar não paga pedágio. Nem vai nos engordar a conta bancária.

Agora mesmo estive pensando num Brasil mais igual. Onde a gente não tenha de perceber tantos Zés Manés dormindo ao relento. E outros pseudo-famosos desafiando-nos a sensibilidade. De antever tanta desigualdade pelos quatro cantos de nossa linda nação brasileira. Que bem poderia ser mais linda ainda. Bastam alguns acertos apenas.

Ah!, já não estou pensando tanto. Melhor deixar escrito todo o meu repúdio por tudo isso.

 

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