A moça da bandana azul

Hoje começa oficialmente o inverno.

Um friozinho apetitoso para quem continua na cama se manifesta com sua névoa branca.

O casario baixo fica parcialmente encoberto. Prédios mais altos se deixam ver. Um sol amarelo pouco a pouco aquece a terra ainda quase madrugada.

E eu desço a rua antes das sete horas da manhã. A cama me cospe cedo. Não me atrai como fazia antes. Quando ainda a mocidade me dizia para ter prudência. Coisa que deixei esquecida nos anos passados. Que longe se vão.

Há anos, não sei precisar quantos, quando descia a rua, pelo passeio do lado direito, ainda escuro, não como hoje, dia claro, com aquela moça franzina me cruzava. Ela subia a rua e eu ia em direção contrária.

Sempre nos cumprimentávamos. Embora não nos conhecêssemos. Ainda não lhe sei o nome. Talvez ela saiba o meu. Quem sabe ela, a tal moça de estatura baixa, magricela, olhares atentos, morena não ao exagero, tenha me procurado em alguma unidade de saúde pública?

Esta resposta não a tenho de momento. Deixo-a como um interrogação ao meu eu.

O que me chamava a atenção naquela moça era o fato de ela usar uma bandana azul a cobrir-lhe a cabeça. Fosse em tempos frios ou em pleno calor.

A coincidência de nossos encontros furtivos era que nunca nos cumprimentamos no mesmo passeio. Ela sempre subindo e eu descendo, naquelas horas antes da manhã passar a ser dia alto.

Ainda me lembro do seu sorriso. Era carregado de cordialidade sincera. Era singela a moça da bandana azul. Simples com sua simpatia amistosa.

De vez em quando me assaltava uma vontade imensa de conversar com ela. Saber qual o seu nome, pra onde ia, qual o seu trabalho.  Mas tínhamos pressa. Eu de chegar a onde estou. Ela de chegar cedo ao seu ofício.

Pelo visto a moça da bandana azul era alguma trabalhadora madrugadora. Jamais a vi salvo nas manhãs bem cedo.

Hoje mesmo passamos um pelo outro. Eu descendo e ela subindo a rua pelo outro passeio.

Anos contínuos acontecia o mesmo com a gente.

A moça da bandana azul me impressionava sempre. Por que razão aquela bandana azul?  Por que motivo ela não se mostrava por inteira?

Seria por ser desprovida de cabelo? Uma calva luzidia seria a razão de ela não deixar seus cabelos a vista?

Teria ela cabelos? Este fato me intrigava sempre.

Até quando soube da razão daquelas bandanas de uso contínuo.

Mariazinha, este era seu nome, soube hoje mesmo na unidade de saúde onde trabalho, lutava contra uma doença insidiosa há anos e anos.

Um câncer linfático nela havia se instalado. E a quimioterapia pôs fim aos seus pelos.

Ela contava com quase cinquenta anos. Mas parecia menos. Lutadora, trabalhadora contumaz, a minha amiga da bandana azul era doméstica numa casa perto da minha. Era esta a razão de nos cruzarmos sempre. Ela subindo a rua e eu descendo.

Não sei por quanto tempo mais nos veremos. Não imagino até quando sua doença vai ser controlada. Tomara ela seja curada. Renasçam os seus cabelos. E ela não precise mais usar aquela bandana azul que tanto me intrigava. Até nos dias de hoje. Quando foi dissipada a duvida de o porquê daquela bandana azul.

Mariazinha, a minha amiga de tantos e tantos anos de idas e vindas, me inspira coisa boa. Ela sempre afável. Amistosa. Mesmo sem nunca termos trocado um dedo de prosa desejo a moça da bandana azul dias melhores. Que ela consiga vencer a sua enfermidade. Da mesma maneira que eu nunca deixe de deixar retratado o cotidiano lindo que me assalta. De olhos atentos e inspiração afiada, sempre.

 

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