Aquele foi nosso último encontro

Quantas e quantas vezes passei por ela.

Ela subia e eu descia a mesma rua. Por passeios opostos.

Mal tínhamos tempo de nos cumprimentarmos. A pressa nos consumia.

Ela caminhava veloz pela calçada do lado direito. E eu, na contramão de nossas vidas, descia rapidamente com meu fone de ouvido ligado.

O consultório era meu destino final. Ali começava o expediente antes das oito. Escrever era meu desafogo antes de começar o dia. Um hábito que cultivo desde anos antes.

Creio que o nome dela era Fátima. Se não me folga a memória.

Já a conhecia de dantes. Longos anos nos separavam desde que a juventude nos fez ir embora.

Mas o costume de nos encontrarmos na descida da rua já era bem antigo. Eu subia. Ela descia apressada.

E que pessoa alegre e extrovertida era a amiga Fátima. Sempre de bem com a vida.  Mas bem o sabia que as dificuldades para ela eram enormes.

Uma filha desempregada. Marido falecido anos antes. Ele era meu amigo. De longos carnavais.

Outro filho se deu bem na vida. Netos ela os ignorava. Aqueles garotos eram fontes de problemas. Drogas os consumia. E a avó, perdida em seus devaneios, se preocupava e muito com os seus destinos malogrados.

Há anos nossos descaminhos se entrecruzavam. Eu pelo lado direito do passeio. Ela subindo ao revés. Do lado direito na sua caminhada matutina.

Ainda me lembro de quando ela era jovem. Eu também o fui. Em tempos passados.

Fátima era um exemplo de mãe extremada. Como avó não devia nada.

Ainda me lembro, de como se fosse ontem, dois dias fazem do ocorrido, na pressa costumeira, quando nos encontramos naquela hora temprana.

Tive a chance de parar um pouquinho para dar um bom dia à amiga das caminhadas.

Fátima me confidenciou que sua filha mais velha não estava bem. Uma doença insidiosa a fez cair na cama. De onde não se levantou. Por este motivo não a tenho visto nas madrugadas frias. De um outono de céu azul, como o dia de hoje se apresentou.

Passaram meses, dias longos, quando, durante a minha descida, não percebia a figura esguia da amiga tão simpática. Fátima se fez ausente. E sua ausência me fez pensar em quando a veria novamente.

Hoje pela manhã, ao descer a rua, era antes das sete, bem antes, vi, no passeio oposto, a figura querida da amiga Fátima.

Ela mal me cumprimentou. Meu bom dia não foi sentido por ela como nas outras vezes.

Cheguei ao consultório consumido por uma dúvida que de repente me assaltou. Quais pensamentos passavam pela sua cabecinha morena? Como estaria sua filha mais longeva?

A dúvida se desfez como o sol se desfaz em chuva.

Pelo jornal soube que a filha de Fátima se foi. Para um lugar indefinidamente lindo.  A exemplo do dia de hoje. Céu azul, fresco, sem o frio do inverno que logo há de chegar. Ela morrera dias antes. Enlutando a vida da mãe querida, companheira de caminhada. Nas horas madrugadoras de sempre. Apesar de o sempre não ter continuidade desde a morte da filha mais velha. Que se despediu da mãe antes de poder abraçá-la no próximo dia das mães que acontece de hoje a poucos dias.

Hoje cedo, ao descer a rua, depois do feriado do dia primeiro, não vi a amiga Fátima no outro passeio. Amanhã não sei se a verei de novo.

Tomara a encontre noutros dias mais. E aquele último dia, quando a vi passar, solitária e acabrunhada, não seja o nosso derradeiro encontro, pelos passeios da vida.

 

 

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