A infelicidade do dedo do Chico de Pouca Valia

 

O fantasma do desemprego rondava a casa do pobre Chico.

E ele era um caboclo tinhoso, trabalhador e honesto, que só ficou desempregado por culpa de uma dita contensão de gastos alegada pela fábrica onde trabalhava. Pai de dois filhos, o pobre Chico acumulava a função de pai e mãe, já que a ex- dona de seu coração amargurado, ao constatar que a renda naufragava, se foi numa sexta-feira malograda.

Isso já fazem cinco anos. Talvez mais.

Chico era funcionário modelo daquela montadora de automóveis. Quase todos os meses via, orgulhoso, seu nome na lista dos empregados do mês. O que percebia ao fim do ano era mais do que o necessário para que sentisse feliz. Os dois filhos estudavam numa escola pertinho de sua casa. Nem precisavam de transporte escolar.

Mas, num feio dia, ao chegar antes da hora ao trabalho, foi comunicado pelo chefe de turno que deveria ir ao Rh para receber a indenização devida. Assim o fez.

O pago foi suficiente para passar um ano inteiro à cata de novo emprego. Foi quando sua mulher o deixou a ver a solidão mugir doída dentro de seu peito sensível.

Todo santo dia lá ia o infeliz Chico, de jornal debaixo do braço, depois de pesquisar a página dos classificados, em busca de novo trabalho.

Mas dada a idade um pouco caduca era preterido pelos mais jovens. O entrevistador nem procurava saber o quanto a experiência acumulada naqueles anos todos na montadora seriam valiosos para o emprego oferecido.

Até que afinal a luz do céu amanheceu sorridente para o desesperançoso Chico. Foi uma oficina mecânica, no seu mesmo bairro de periferia, que a ele abriu as portas. E Chico logo aprendeu a resolver todos os problemas dos carros que ali ficaram a espera de resolução.

Um mês, dois anos se passaram.

A vida parecia melhorar para a família do agora empregado Chico de Pouca Valia. Sobrenome recebido por um compadre gozador, que a ele considerava de pouca serventia. Embora fosse exatamente o revés.

O salário não era dos piores. E Chico trabalhador fazia por merecer.

Com o recebido ao fim do ano acabou quitando as prestações do pequeno apartamento adquirido nos tempos das vacas menos magras.  E sentindo-se um vencedor chegou a casa com um largo sorriso no rosto iluminado de felicidade. Naquela noite ajuntou os dois filhotes e foram a uma pizzaria comemorar o fim das prestações. Agora eram donos daquela morada dos seus sonhos.

O relógio marcava dez e meia quando deixaram a pizzaria.

Por um ato falho, estava escuro, quando o infeliz Chico desceu o meio fio, teve uma torção feia no tornozelo direito. Estatelado no chão duro do asfalto Chico não teve como se levantar.

Ajudado pelos filhos menores Chico foi levado a um pronto atendimento gemendo de dor. Ali esperou duas horas inteiras até que uma malcriada recepcionista abriu-lhe a porta do consultório do doutor.

Nem foi preciso apalpar para diagnosticar uma fratura com desvio num dedo do pé. Após a radiografia, que foi feita duas horas depois, o pé do Chico foi imobilizado por uma bota gessada. Mas era preciso operar. Para que a fratura se consolidasse a contento.

Mas, pelo SUS, a fila de espera era enorme. Faltavam leitos no hospital. E os médicos, assoberbados de trabalho, nem tempo tinham para se dedicar ao emprego de número cinco. E os seus consultórios privados eram mais prementes.

Afastado do emprego Chico temia pelo pior. Já sentira na pele a dureza do desemprego. E não tinha um gosto bom ficar a ver navios ancorados na praia do desconsolo.

A cirurgia foi marcada para dali a dois anos e meio. E a fratura não se alinhou como deveria resultando uma sequela importante.

Chico, de novo com o jornal debaixo do braço saiu em busca de nova colocação. Deixou a casa manquitolando. Levando na cara todo o sabor amargo da decepção.

Não precisa dizer que Chico, quase inválido para caminhar, mancava mais que andava, não mais conseguiu trabalho. E acabou como da primeira vez. A espera de dias melhores.

Aposentar-se era o sonho que não foi capaz. Era ainda jovem demais. Nem bem quarenta anos mostrava sua carteira de identidade.

O tal dedo quebrado acabou com seu futuro. Chico não teve a chance de atendimento digno como tiveram certas personalidades que a mídia mostra.

Graças a um pisão em falso acabou por quebrar o seu metatarso. Nem ao menos teve uma ambulância para transportá-lo ao hospital que pudesse minorar-lhe o sofrimento. E ele nunca jogou futebol na vida. Pois o trabalho não lhe permitiu tal desfrute.

Que pena! Até hoje Chico de Mais Valia, que muitos atletas de bola, que ganham verdadeiras fortunas, e são manchetes de jornais, espera a sua aposentadoria. Que deve sair algum dia.

A infelicidade do dedo do pobre Chico é mais um exemplo dos muitos que a cada dia se mostra em nosso malfadado país do futebol. Pobre daquele, que pensa que o mundo é uma bola. E apenas e tão somente isso basta.

 

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