Na boca o sabor amargo da saudade

Qual seriam a cor e o sabor da saudade? Ela, por inspirar nostalgia, pode ter a cor cinzenta. Talvez marrom. Ou uma cor escura, negra misturada ao verde musgo, cor que tem os mais distintos tons que a natureza mostra. Quanto ao sabor ele deve ser tal e qual quando se leva a boca um petisco de gosto esdrúxulo. Algo como batata frita sem sal. Ou macarronada sem queijo parmesão. Ou alguma coisa que a gente prova e não sabe dizer qual seria paladar. Indefinivelmente indecifrável.

O certo é que saudade é prova cabal de sentimento. Alguma coisa que nos cavouca por dentro. E tanto pode nos fazer mal como bem.

Tem gente que não sente saudade. Já eu a sinto sempre. Também, simplesmente ao olhar da janela de onde estou, a mão esquerda, quase todo o entorno me leva a sentir saudades.

Aquela rua por onde sempre passo é a razão de tantas saudades.

Ainda me lembro do cafezal hoje transformado em rua. Era onde, em menino criança, usava para me esconder dos amiguinhos. Muitos ensejam saudade, brincando de pique- esconde, sem saber quem iria me achar escondido no meu passado remoto.

Sinto muitas saudades da minha infância perdida há anos e anos passados. Da escola onde me graduei sem saber o porvir. Só descoberto anos mais tarde na linda Belo Horizonte. Cujo horizonte montanhoso tentam reduzir a escombros, tirando minério de ferro de suas serras antes azuis. Hoje não são mais.

Sinto saudades imensas do rela do jardim. Onde conheci minha namoradinha que hoje me faz companhia na idade maior. Ambos não mais somos jovens. Assim o éramos na mais tenra idade.

Dos meus pais então nem se fala. Que saudade sinto de quando eu os tinha como companhia, naquela casa da rua que daqui se avista pelos fundos, no seu frontispício ainda hoje se mostra o número 152.

Saudades existem aos montes dos primeiros anos da minha meninice peralta. Agora o adulto, poder-se-ia dizer ancião, não pode fazer traquinagens sob o perigo de taxá-lo de insano. E como faz bem a alma deixar que o menino que morava em nós ainda sobrevive em tempos atuais. Eu ainda tento, retento, e não mais consigo. Aquele menino morreu. Pena que resquícios dele não mais sobrevivem dentro do meu eu. Apenas lembranças fugidias.

Saudades amaras de quando meu cãozinho pretinho morreu perto da minha casa. Ele foi enterrado junto ao meu passado. Que infelizmente não retorna segundo minha vontade.

Saudades moram vivas, tomara elas não morram, no mais recôndito abrigo dentro de mim.

De quando passava férias de fim de ano junto a primas que agora são avós, como eu me tornei há pouco mais de um ano atrás.

Saudades dos meus avós. Um deles se deixa ver naquele predinho por meu pai construído, ali era sua morada, hoje foi transformado num pequeno edifício que leva o nome dele. Nos fundos daquela casa assobradada tinha um pé de jabuticaba. Com que prazer ele derriçava seus frutos a dar a seus netos. Creio, que por ser o primeiro, era o predileto.

Saudades ainda mugem dentro de mim fortes e fecundas. Não sei se saudade produz fruto. Tomara, caso sim, eles tenham o sabor de jabuticaba madura, colhida no pé, depois de uma chuva mansa.

Sinto saudades de mim criança. Sem o afogadilho de agora. Sem a pressa que a busca do ganha pão me faz ir de um lugar a outro, sem tempo para dizer não, que esperem um pouco mais os recebimentos tantos que fazem parte dos meus dias sempre iguais. Sem os compromissos de sempre estar bem, na aparência. Embora me sinta mal.

Sinto intensas saudade da cor da mocidade. Mocidade rima com destreza, com beleza, com sonhos que nos dias de hoje muitos se transformaram em pesadelos.

Uma saudade imensa brota dentro de mim a me ver defronte ao espelho. Cadê aqueles cabelos escuros? Onde estará o sorriso fácil? Onde se escondeu minha velha identidade? Hoje ela mostra sessenta e oito anos. Amanhã mais um. Não sei quantos virão.

Sinto saudade de tantas coisas, tantas, que não vou continuar a enumerá-las. Caso me estendesse não sei quantas páginas seriam escritas. Seriam páginas de uma vida ainda, tomara pela metade. Se não metade pelo menos a terça parte.

Neste ponto da juventude perdida penso nos anos que deixei atrás.

Foram bons, em sua maioria. Já os piores não faço questão de suas presenças. Simplesmente os renego. Tento enxotá-los.

Agora são sete e meia desta manhã de sexta-feira. As oito começo a minha lida.

Ainda trago na boca o amargo sabor da saudade. Quem sabe amanhã, outro dia, este amargume se adocique? E se transforme num gosto bom de jabuticaba colhida no pé.

Tudo se explica pela saudade tanta que sempre aparece em seus sabores díspares dentro de mim. Num dia ela fica doce. Já no outro, segundo os amargumes da vida, ela fica da mesma forma amargurada. Graças aos altos e baixos da vida.

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