Tal mãe destoa o filho

Quem ainda, nascido ou não na roça que tanto amo, embora ali não gerado, tendo o umbigo enterrado ou, senão, o coração partido, já não viu um ticoticozinho magricela, com aquele penachinho a enfeitar-lhe a cabeça, corpo manchado de marrom e cinzento, dando de comer com o bico a outro tipo de passarinho, escuro como o passado de certos políticos?

Se não viu o milagre da natureza abençoada, vai um dia ao campo, ficar a olhar com olhos plenos de encanto a cena que inda ontem vi.

Passei um dia inteiro a ver, com olhos e braços endurecidos, a tal cena de rico lirismo.

Braços duros de cansados de tanto trasladar tijolos de um lado a outro. Num esforço hercúleo, já que não estou acostumado a trabalhos pesados.  Só me deixo guiar pelas pernas em carreiras quilométricas, quando corro, aos domingos, a cidades perto da minha.

Em mais de duas horas e meia consegui uma façanha inédita. Desempilhei uma pilha enorme de tijolos duros como minha cabeça. A seguir uma pequena montanha apareceu do outro lado exatamente oposto da minha casa no município de Ijaci.

Existem mães de todos os tipos. As que custam a engravidar. E as que enchem o mundo de filhos. Não há como rotular o amor de uma e de outra. Creio que da mesma intensidade que assisti, bem de perto, à cena linda que num dia destes observei embevecido.

Já assisti, felizmente pela mídia apenas, a cenas horripilantes. Mães que abandonam os filhos recém-nascidos em cestas de lixo. Sendo as mesmos se tornando pivetes futuros marginais bandidos.

Naquele dia, e noutros também, próximo à porteira azul da minha casa da roça, a que olha as águas da represa do Funil com os mesmos olhos com que a vaca lambe a cria, tico- ticos, não saberia identificar-lhes o sexo, chocando no próprio ninho ovos estranhos. Dizem os passarinhófilos que o casal de tico- tico permite, de bom agrado, que o pássaro preto aniquile as cascas dos próprios ovinhos para cuidar de ovos alheios. E, uma vez os filhotes, completamente díspares deles próprios, quebram as cascas finas dos ovinhos, e ensaiam os primeiros vôos solos, somente serão abandonados quando rejeitarem os pais adotivos.

Era mais ou menos cinco da tarde daquele dia lindo. Um dia de semana normal. Embora estivesse em férias, como ainda me encontro a escrever febrilmente uma crônica depois de dias tantos sem uma nascida do meu tirocínio irrequieto, neste outro local distante do meu chão, uma ilha linda chamada Aruba, passei o dia todo na minha roça ijaciense.

Quem me alertou sobre a choca do Tico tico foi um amigo pintor faz tudo. Seu nome é Clodoaldo. Não sei por inspiração de que alma boa. Como boa é a sua pessoa inteligente.

Clo, abreviatura carinhosa que a ele dei, quase sempre anda num fusquinha azul, onde se vê a inscrição Vida Louca. Agora, na construção prestes a terminar, ele, segundo sua própria definição, se diz faz tudo. Desde pintor de paredes a pedreiro meia-colher, a bombeiro encanador de meia pataca, de eletricidade nada manja. É da cor de pau-de-fumo. Entre escuro urubu e tição molhado na chuva de ontem.

Antes de voltar a minha Lavras querida, já quase ao anoitecer, depois de uma chuva linda, olhando enternecido as águas plácidas da represa do Funil, mais uma vez observei a tico- tica, se não me engano era uma, inserindo bico adentro de outro passarinho bem maior que sua pseudo mãezoninha.

Eles dois avoavam de um lado a outro da minha casa. Que também vai ser a deles. E prometo não lhes cobrar aluguel. Com que carinho a ticoticazinha dava de comer ao filhote. Que não era o dela.

Mais uma vez me lembrei das mães genéticas que lançam os próprios filhos na lata de lixo. E os seus rebentos se parecem a elas.

Nasceram dos seus próprios úteros. De pais conhecidos ou não.

No caso da mãe tico- tica os filhotes de pássaros pretos em nada se parecem às próprias. São verdadeiros paus-de- fumo escuros como tições de fogo em brasa morta.

Neste caso a mãe destoa dos filhos. Não em amor genuíno.

Deixe uma resposta