Sorridente missão

Há aqueles que nascem sem saber a razão por que vieram ao mundo.

Grande parte dos nascidos está nesta encruzilhada duvidosa.

Não é novidade escrever tal vaticínio.

Uns, afortunados, aqui vieram para tentar amenizar a dor de outrem. São os profissionais de saúde: médicos, enfermeiros, cuidadores de idosos, e outros afins. Muitas vezes mal compreendidos por lutarem num ambiente poluído. Onde o sistema penaliza os mal nascidos. Em contraste fragrante com aqueles que nasceram em berço dourado. A saúde, em nosso país, por mais que o governo alardeia as suas conquistas, as melhoras feitas, quando se precisa recorrer ao mesmo sistema deparamo-nos com filas imensas, casos urgentes sem a devida solução de premência resolução. Assim morrem à espera os pobres portadores de abdomes agudos. Não diagnosticados em tempo oportuno. Sobrevindo o óbito por não terem sido operados em tempo hábil. Quando, caso fossem atendidos em hospitais notáveis, onde cirurgias robóticas são realidade, ali não falta nada, estariam vivos, exalando saúde por todos os poros da sua epiderme vasta.

Quando a gente nasce mal sabemos um quesinho do nosso porvir indefinido. Se vamos ser felizes, quem saberia dizer? Nem a velha cigana, com sua bola de cristal advinha, ousaria  prever nem o que nos irá acontecer de aqui há uma hora, quanto mais ao fim de anos e anos de lutas e desenganos.

Aquela linda criança, de cabelos louros, pele clarinha como a paina de algodão, nasceu num dia de sorte para sua família. Seu pai acabara de ser premiado na loteria. Era um prêmio polpudo. Que não só o enricara como deixou-lhe a família mais rica ainda.

Albertinho, o garoto sobre quem versa a história, metade real, a outra fantasia, aprendeu as primeiras letras num átimo. Era, além de inteligente, atento às lições a ele passadas pelas professoras.

Na hora do recreio vivia a contar anedotas aos coleguinhas. E as contava com tanta alegria, com tanto estardalhaço, que não apenas ajuntava gente nas suas micagens como também logo a sua fama se alastrou além dos muros da escola. Em curto intervalo de anos foi considerado um palhaço de rara galhardia.

Teve uma passagem por um circo de periferia. A tal casa de espetáculos tinha a lona rasgada na parte de baixo o que facilitava a entrada dos molecotes amantes de circo por baixo do furo da lona amarela. Encardida pelos anos. Mas que ainda dava conta de fazer chorar de rir a todos que ali presenciavam o famoso: “amável público, vai começar o espetáculo. Acomodem-se em suas cadeiras que o show vai ter início”. E logo a boca da lona se fechava. Mas sempre haviam os retardatários que chegavam de última hora. Provocando risos na boca abatonzada do palhaço de mesmo nome do menino rico. O tal Albertinho lourinho.

E de cidade em cidade, de estado a estado, sempre no mesmo país, vivia o circo se mudando. Anunciando o espetáculo um carro de som estridente. Dirigido pelo dono. Junto a sua mulher, que fazia às vezes de mulher gorila falsa.

Como não mais se permitiam a exibição de animais em circos o pobre chipanzé magricela foi despedido por injusta causa. E foi deixado numa matinha pobremente arborizada. Dizem que ele veio a falecer de tristeza. De saudade de sua companheira, a macaca Chita.

Mesmo assim o não mais menino Albertinho continuo a encenar os capítulos de sua novela circense.

Ele passou a ser a atração maior daquela casa de lona furada. Onde o trapézio não funcionava. Onde o globo da morte passou de pista perigosa à gaiola onde se guardava o passado de muitas glórias da vida no circo que acabou indo à bancarrota.

Cinco anos depois, quem comprasse ingresso para ver a cena de muitos anos de fracassos ficava como consolo apenas a entrada estupefata do palhaço Albertinho.

E ele ainda fazia micagens. Como nos idos anos da escola, à hora do recreio, atraindo simpatizantes que adoravam suas piadas de ótimo gosto.

Um dia, já com o palhaço de riso fácil bem desiludido com a vida errática de circo, a ele perguntaram qual a sua missão no planeta terra.

Foi quando de sua boca pintada no formato de um enorme coração vermelho, esta explicação se deixou ouvir: “estou aqui para ensolarar vidas. Fazer sorrir mesmo o mais incompreendido e melancólico coração amargurado. Minha sorridente missão é esta mesma. Pintar sorrisos na boca de quem desaprendeu a sorrir. Por força das sombras de sonoras desilusões que a vida madrasta lhe deitou aos ombros outrora fortes. Mas hoje curvado ao peso dos mesmos anos cheios momentos mágicos. E outros nem tanto. Que predominaram tanto. Fazendo-nos perder o encanto pela vida”.

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