De repente me remeto ao ano de um mil novecentos e quarenta e nove.
Podem me perguntar o por quê? A razão é simples. Foi esse o ano em que nasci.
Antes disso quase nada sabia. Apenas aquilo que os jornais noticiavam. Já que a mídia televisiva era ainda uma idéia que veio ao lume alguns anos depois.
Em menino usava calças curtas e minhas ideias já se alongavam. Era um garoto que como muitos amava os Beatles e os Rolling Stones.
Eu brincava na minha rua de fincar finca e jogar bete. De cricar bolinhas de gude e jogar pião. Quando chovia soltava barquinhos feitos de folhas de jornal na enxurrada que descia o morrão. Era uma verdadeira enxurrada de lembranças que me fazem lembrar os tempos de antão.
Naqueles tempos idos ainda não haviam inventado os computadores. Só depois veio a internet. A gente assistia aos desenhos animados quando nossos pais permitiam. Só depois de feita a lição de casa. Depois de mostrar aos nossos progenitores o boletim com notas boas. Se alguma delas ficasse abaixo de sete, ai de nós. Um belo castigo nos esperava naquele banquinho duro atrás da porta.
Bons tempos aqueles da nossa infância. Quando as únicas guerras eram as de travesseiro. Que não machucavam a ninguém. Apenas e tão somente nos intimavam a nos calarmos e dormir quietinhos até a manhã seguinte. Bem cedinho quando éramos acordados. Em boa hora bom que se diga.
Bons tempos aqueles da minha meninice. Quando aprendi a escrever. E me tomei de amores pelas primeiras letras miudinhas. Escritas naquele caderninho pautado. Onde aprendi a endireitar meus garranchos. Mas hoje minhas letras são quase inelegíveis.
Mais alguns anos se foram e eu fiquei mais velho. Não tanto como hoje me encontro.
Bons tempos aqueles dos jornais impressos que tinham inúmeras serventias. Uma delas era pra se lerem noticias. A segunda era para, à falta de papel higiênico, usar no vaso sanitário; ou para embrulhar pão na padaria. Ou ainda para fazer barquinhos de papel para descerem na enxurrada quando a chuva caia devagar.
Bons tempos em que uma repreensão de nossos professores era suficiente para que nos calássemos e prestássemos mais atenção na matéria dada. E guardássemos aquele espelhinho espião deixado de propósito debaixo da carteira da linda coleguinha assentada ao nosso lado.
Bons tempos aqueles das valsas rodadas e dos bailes de outrora. Quando dançávamos agarradinhos com aquela mocinha pudica que passou a ser a nossa primeira namoradinha.
Bons tempos aqueles quando ainda tínhamos a esperança em dias melhores. Agora essa mesma esperança nos disse adeus e não até breve.
Bons tempos de outrora em que quase não tínhamos tempo pra nada. Já hoje o tempo me sobra. Minha agenda esta vazia de consultantes. Mas repleta de inspiração que a cada manhã me domina.
Bons tempos aqueles quando estudava naquela mesma escola em que meus netinhos estudam. Não cabulava aula. Mas me encabulava todinho quando alguma coleguinha lançava olhares gulosos em minha direção.
Bons tempos aqueles quando me graduei em medicina. Já hoje, mais de cinquenta anos passados, pensando em me aposentar por completo, deixar minhas nádegas confiadas a um banco de uma praça qualquer. Logo me vem à lembrança daquele amigo de bancos escolares, que um dia se aposentou, arrependeu-se amaramente. E voltou a trabalhar, mas pouco tempo durou. Acabou morrendo alguns dias depois.
Bons tempos aqueles. Que sempre digo e não me canso de repetir: “esses tempos bons, infelizmente, não voltam mais “…