‘Veio não! Gasto”

Envelhecer é um privilégio.

Muitos não conseguem e param no meio do caminho.

Ser velho a mim soa melhor ancião. Ou de idade provecta. Melhor ainda ser chamado idoso.

Quando a gente deixa a vaidade de lado. Acorda sem pentear o que restou dos cabelos. Mal nos olhamos no espelho, pois ele responde, malcriadamente, com sua carantonha de mofa: “olha seu velho. Olhar pra mim apenas reflete o tempo passado quando ainda eras cortejado por uma garota bonita. Agora, vês se te enxerga. Se não tens grana nem pode sonhar com mais uma conquista. Seu tempo passou. Olhe com carinho em direção ao seu presente, pois o futuro é incerto. Melhor nem saber quantos anos mais vai viver”.

A velhice pode ser plena de felicidade. Você não tem mais compromisso nenhum para mostrar empenho e dedicação.  Seu tempo se foi. Bem antes, na juventude passada, ai sim tinhas de mostrar coragem e responsabilidade. Pois uma família inteira dependia de você.  Filhos com os quais se preocupar.  E agora, nessa idade que lhe cavalga os costados. Apenas e tão somente lhe resta netos para estragar. E tens de ter fôlego de gatos esfomeados para brincar com seus netinhos.  Que quando dizem avozinho você se derrete todinho em carinho. Velho babão que passou a ser.

Ser velho longe de ser padecer no paraíso. Pois esse paraíso imaginário pode se tornar um inferno em vida quando a saúde o abandona. E agora, isolado numa casa de idosos. A sua própria foi vendida para pagar as dividas dos filhos. Só lhe resta esperar seus descendentes na visita dos domingos. Nada mais lhe sobra senão a saudade dos velhos tempos.

Envelhecer nada mais é do que ficar se lembrando de fatos pretéritos. Tirar do velho baú de guardados velhas fotografias. Enquanto lhe sobrar clarividência relembre das velhas namoradas. Aquela em especial da qual afanou um beijinho inocente na face que a fez ruborizar-se de verdade.  Mas não se esqueça de pagar a conta da luz que ainda o ilumina. Pois sua vela paulatinamente se apaga docemente. E num futuro incerto irão sepultar o que restou de ti numa cova escura sob o pranto contundente daqueles que em verdade o amaram.

Não penses que todos irão velar seu sono eterno eternamente. Você vai ser esquecido assim que suas exéquias terminarem. Se fizerem um busto em praça pública por certo nenhures vai saber quem foi aquele personagem. E aquela erma de bronze ou mármore logo vai se transformar em latrina de pombos.

Uma certeza tens de ter consigo. Ninguém fica imune ao passar do tempo. Ainda não inventaram uma vacina que impeça de contrairmos a velhice. Uma certeza inominável do final dos tempos.

Por isso curta sua idade atual. Não se faça de rogado. Dance, ria, caminhe homem. Graças as pernas vais ficar de bem contigo.

Tenho um amigo chegado. Cujo nome é Zé Antonho. No alto dos seus muitos anos. Sempre o encontro de enxada na mão. Ou empunhando a foice quando o sarandi avança na pastaria. Sempre sorridente na sua banguelice desdentada. Naquele sorriso gengival.

Um dia, já se foram sábados e domingos perdidos nas lembranças.

Quando voltava da minha roça. Naquele final de semana poeirento. Parei um cadinho defronte a ele.

Zé Antonho cochilava. Assentado meio de banda numa laje de pedra dura.

Notei que ele estava injuriado. Pelo seu semblante meio acinzentado.

Acordei-o com um sonoro boas tardes.

Ele mal me olhou nos olhos. Continuou ressonando como se não houvesse ninguém a interpelá-lo.

Mas não desisti do meu intento e continuei na tentativa malograda de acordá-lo.

Algum desafeto deveria ter feito uma desfeita ao meu amigo já andado em anos.

Bem o sabia que Zé Antonho não era de deixar barato alguma palavra que por ventura de uma desventura o incomodasse.

Ao final de um tempão enfim ele abriu os olhinhos ainda sonolentos.

Foi quando a ele perguntei: “Zé. O que couve? Tá de mal comigo? Por acaso de um descaso falei alguma coisa que não gostou? Somos amigos né?”

Zé, a contragosto de um desgosto, num muxoxo meio roxo assim me respondeu: “ah! Não liga não. Sô assim memo. Sabis pursquê istou assim? Um sujeitim marcriado me chamô de veio. Sabis o que respondi? Veio é sua avó. Sou isperiente e gasto. Tenho mais idade que voismece tem de anus. Anus sei que ocê tem só um. Larga de cê bobo. E vê se te enxerga.”

Despedi-me do veio Zé desejando a ele bons anos de vida. Já que ele tem um anus só nunca chamem alguém de veio. Idoso, charmoso, experiente, cidadão que tem muito a passar as gerações futuras. Ai sim; soa melhor pra mim.

 

 

 

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