Zezinho Ritalina

Dizem ser a pressa inimiga da perfeição.

Da mesma forma quem tem pressa come cru e queima a língua.

Os apressadinhos que se acalmem. O mundo passa. A vida termina. Pra todos a hora um dia chega. No mais tardar ou no amanhã bem cedo.

Mas nem sempre conseguimos domesticar nossa impulsividade. Alguns nascem lentos. Outros não vêem a hora de chegar.

Eu sou daqueles que sofrem por excesso de zelo. Chego antes da hora.  Minutos antes. Dai o meu sofrer por não encontrar o mundo do meu jeito.  Já que tudo anda distorcido. Metemos os pés pelas mãos. Trocamos de identidade quando a ocasião enseja. Somos camaleões de acordo com as conveniências.

Penso ter nascido à mercê da hiperatividade. Sou de sete meses. Assim está escrito na minha certidão de nascimento.

Nos tempos de agora a impulsividade me domina. Não me calo nem consinto quando vejo algo que me contraria. Mas quanto tento mudar as coisas não consigo nem ao menos mudar a mim mesmo.

Aos setenta e quatro continuo o mesmo Paulinho menino.

Serelepe, brincalhão, extrovertido. Não contenho meu ímpeto de acordar sempre a mesma hora. Antes das cinco já estou de pé. A cama me enxota cedinho. A rua me recebe ainda vazia. Nestes dias frios ainda mais. Vazia de gente, mas recheada de inspiração que me cavouca sempre. Penso muito. Inspiro-me no cotidiano. Por vezes adverso. No entanto não sei fazer versos, mas conto prosa. Cada uma sempre nascida nessas madrugadas inspiradoras. Quando aqui me refugio. Na solidão que me encanta.

Tendo por companhia meus peixinhos aquarianos. Nem sei em que signo eles são nascidos. Mas fora d’água do meu aquário não sei o que seria deles três.

Sou dependente da escrita. Não leio tanto como deveria. Já li e reli mais. Nos dias de agora meu autor preferido confesso. Sem faltar à modéstia. Seu nome se escreve, em letras maiúsculas, Paulo Rodarte.

Creio ter sido na semana passada que o fato se deu.

Depois de marcar e remarcar a consulta uma mãe. Preocupada com seu filho menino. Não sei bem seu nome se era em verdade Zezinho.

Enfim eles aqui compareceram.

Foram minutos de pura intranquilidade.

Do lado de fora da minha sala se podia escutar um burburinho. Cadeiras avoavam como passarinhos. Minha solicita secretária fazia de tudo um cadinho para aquietar os ânimos.

De repente. Não mais que num repente. A porta se abriu num estrondo.

Um ruído bizarro, como se uma elefanta furiosa tivesse de proteger sua cria de um ataque de leões.

Era o garoto Zezinho tentando tirar o celular da pobre mãe exausta.

Durante a consulta quase não vi o garoto assentado. Ele ia em direção ao meu aquário tentando pescar. Sem caniço ou samburá. Os pobres peixinhos olhavam o menino Zezinho com suas nadadeiras hasteadas a meio corpo. Temerosos do que poderia acontecer.

Por sorte minha e dos peixinhos o garoto enfim aquietou-se. Por um minuto apenas. Se foi tanto.

Assentado, com as pernas acima da minha mesa. Zezinho, com sua mãezinha do lado. De olhos esbugalhados no que poderia acontecer. Enfim contou o motivo da consulta.

Ele tinha seu pintinho que não piava encoberto por uma pelinha maiúscula.

A cabecinha do seu bilau nunca havia visto a luz do dia. Vivia em eterna escuridão.

Para levá-lo a sala de exame foi preciso amordaçá-lo e amarrar seus pés e mãos. Tudo isso com a complacência da pobre mãe em sobressalto.

De fato a sua fimose mais parecia um bico de lamparina sem querosene. Igualzinha aquela que se usava nas noites escuras da rocinha das minhas tias avós.

Assim que nos fizemos íntimos a consulta rolou sem maiores entreveros.

Depois da minha promessa que o deixaria nadar no meu aquário. Num dia de muito calor.

Durante a anamnese. Que durou nada menos que duas horas inteiras. Fiquei sabendo que Zezinho tomava Ritalina na intenção de domesticar sua impulsividade.

No entanto de nada adiantava. Ele só piorava.

Eis que. Um dia ele vai ter de operar sua fimose. Foi quando me lembrei da minha.

Faz tantos anos isso que mal me lembro. Pobre do doutor Silvio Menicucci. O bom doutor quase perdeu o resto dos cabelos que ele tinha. Ainda me lembro de quando ele disse: “Paulinho. Que menino irrequieto!”

Dai a minha parecença com o garoto Zezinho.

 

 

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