Com certeza não vai ser a última vez

A incertitude sempre me dominou.

A pressa da mesma maneira tomou conta do meu eu.

A certeza não a tenho por sobre a mesa. Nem por baixo dela não sei onde ela se esconde.

Até na presente data ignoro o que me reserva o amanhã. Já o ontem… Ah! Como ele me seduz. O presente o tenho presente nos meus dias. Sinto por ele um chamego sem igual.

Sempre olho pra trás quando subo um morrinho de pouca inclinação até chegar ao meu consultório. Dantes andava mais já que morava num condomínio mais ao sul de nossa amada cidade.

A certeza que tenho pelas pernas em alta estima nem sempre foi assim. Dantes, quando aqui cheguei, morava um bairro antes elegante. De nome Centenário. Naquela enorme casa por mim edificada. Há tantos anos perdidos nas lembranças que quase nem me lembro mais.

Naqueles tempos não tão velhuscos nutria pelos carros uma paixão sem igual. Não me deslocava um metrinho apenas e tão somente sem ligar aquele carrinho azul. Comprado a prestações. Quando aqui cheguei vindo da Espanha. Já que tinha de trabalhar em três hospitais não tinha tempo para andar a pé. A distância a ser percorrida não era tanta. Mas a fadiga me dominava. O cansaço me levava ao chuveiro assim que voltava à casa. Ávido por tentar abraçar o sono.

Até hoje ele me repele. Não sei se o sono. Antes leve e agora pesado como chumbo endurecido. Já que a cama me cospe sempre a mesma hora. Aqui estou a retratar o cotidiano com as cores em seus diversos matizes.

Avizinha-se mais um mês. Julho se acerca devagarzinho. Os ipês começam a mostrar suas cores. Em primeiro lugar aparece o roxo. A seguir vem o amarelo o mais lindo de todos. Pena que essa florada dura tão pouco. O branco dura mais. Não sei se essa cor resiste ao secume do tempo. Como a chuva faz falta nesse meado de ano. Num lugar ela despenca em tempestades. Noutros ela escasseia dando lugar as queimadas que nos inquietam tanto.

Ainda me lembro daquele ano de dois mil novecentos e setenta e quatro. Foi naquela ocasião que jovens esculápios receberam um documento. Em forma de um pergaminho. Que nos possibilitava exercer nossa nobre arte de tentar curar ou atenuar dores.

Éramos cento e sessenta jovens oriundos desse brasilzão afora. Vindos do interior das Minas Gerais. Da capital e de outros estados distantes. Futuros médicos imbuídos de um ideal comum.

Cinquenta anos se foram e deixaram marcas na gente. Agora envelhecemos. Colecionamos rugas e percebemos nossos cabelos branquearem. Muitos de nós não os temos mais.

Éramos 160 e agora contabilizamos 135. Foram inestimáveis perdas muito sentidas.  A lista da saudade espero pare por ai. Não sei por quanto tempo.

Em dezembro próximo. Coincidentemente com meu aniversário de 75.  Iremos nos reunir numa cidadezinha simpática berço da conjuração mineira. Tiradentes vai não apenas abrigar nossa saudade como não sei se vai ser a última vez.

Em conversa com nosso grupo de jubilados pude sentir como todos estão ávidos pelo nosso reencontro. Afinal cinquenta anos não são apenas cinco ou dez.

Um deles assina Gentil no sobrenome. Pedro de Capelinha me inspira gentileza em todos os poros. Ainda me lembro dele em nosso retrato de formatura.

Espero que nosso encontro não seja o derradeiro. Seria muita pretensão de minha parte esperar mais cinquenta anos mais para nos abraçarmos cheios de saudade.

Aquela turma boa creio ter perdido o brilho da mocidade. Mas nunca perderemos o desejo imenso de continuar nossa sina de exercer nossa meta nobilíssima que sempre será ajudar aos outros. Embora tantos percalços se interponham entre nós.

Com certeza não vai ser a última vez que nos encontraremos. De antemão espero um dia marcar outro encontro no céu.

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