Perdas e ganhos

Jogar e perder.

Consequências naturais daqueles tolos que se metem a jogar.

Caiu o trema. Assim corrigiu meu corretor ortográfico.

Um metido a sabichão que tenta me ensinar o português correto.

Embora por vezes aceite sua reprimenda confio mais nos ensinamentos da minha querida professora dessa língua tão vilipendiada. Tão maltratada e maltrapilha. Reduzida, graças às modernidades que a internet tenta inserir. A um amontoado de malversações. Reduzindo a nossa derradeira Flor do Lácio inculta a ainda bela a um mar revolto de agressões.

E o que tem a ver perdas e ganhos com essa dissertação sem pé nem cabeça?

A gente perde cada vez mais quando agredimos a nossa língua.

Nada como ouvir corretamente um português bem falado e escrevinhado. Tratado com luvas de pelica como se tratava uma cortesã nos tempos idos. E quando ela passava fazíamos mesuras e rapapés.

De vez em quando me permito certos neologismos. Mas nem de longe tento inserir palavras novas em nosso rico vernáculo. Já que nele abundam palavrões indecifráveis.

Prefiro a singeleza do singelo. Tanto no uso das palavras quando na minha lida diária.

Voltando ao tema proposto – perdas e ganhos.

Ao ver passarem os anos, fazendo as contas, recontando o tempo passado, que vantagem se leva vivendo além dos muitos anos?

Perdemos tempo olhando as estrelas. Um dia estaremos entre elas. Olhando lá de cima a terra ser banhada pelos oceanos. Que linda paisagem se oferece aos nossos olhos incrédulos de tanta beleza.

Perdemos paulatinamente a visão. Uma lente opaca opacifica a menina de nossos olhos.  Mas quem diz que aquela menina linda não pode ser olhada? Olhar não tira pedaço nem deve ser visto como pecadilho maior. Uma vez idosos uma relada de olhos não nos tira a capacidade de admirar o belo.

Perdemos por vezes a compostura. Mas recriminar o velho simplesmente por ele gostar de moça nova não nos faz menos velhos, nem piores. Trata-se de um doce retorno à juventude perdida que os anos não nos permitem mais.

Podemos perder a sensatez. Mas porque razão sermos punidos por isso? Já que a vida inteira agimos certinho segundo as conveniências.

Perdemos a formosura. Mas rugas enfeitam-nos a face da mesma maneira que os cabelos brancos conferem mais cores a nossa beleza perdida.

Perdemos as passadas largas. Mas, se tropeçamos nalgum obstáculo sempre tem quem nos ampare.

Se perdemos o nosso tirocínio a caduquice pode ser um sinal de declínio. Mas, pra quem já viveu tantos anos, que mal que faz viver uma vida imaginária. Pensando sermos outra vez meninos?

Bem sei que podemos perder a audição. Mas o silêncio das madrugadas pode ser uma alternativa benéfica para o nosso porvir que está por vir.

Perdemos, bem sei, a nossa capacidade laboral. Mas a experiência acumulada pode ser de mais valia aos jovens que nos sucedem.

Perdemos o tato. A visão claudica. A ereção pode faltar no momento exato de fazer amor.

No entanto desenvolvemos outras faculdades.

Aprendemos a ser mais prudentes. Afastamos de nós toda e qualquer incapacidade de prejulgar já que fomos julgados.

A ambição dentro da gente foi controlada. Erramos muitos e aprendemos, com os senões, a errar menos.

Podemos ter perdido muito. Mas pra mim ganhamos muito mais.

Se um dia duvidarem da minha assertiva passem os olhos na minha vida pregressa.

Hoje conto com exatos setenta e quatro. Foram-se cinquenta anos de formado. E ainda hoje faço da minha vida um enxame fecundo de trabalho na medicina.

Fazendo as contas não perdi tanto.

Considero que os ganhos suplantam em muito as perdas anotadas.

 

 

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