À sombra da velha jabuticabeira

Céu escuro de outono.

Tudo envolto numa escuridão indevassável. O sol ainda não acordou. Nem a lua se deixa ver.

Foi nessa hora quase madrugada que deixei meu apartamento. Nessa sexta feira quase março se transformando em abril.

Parece que as águas de março se foram. Uma chuvica aqui e outra ali pode acontecer.

Também chega de chuva! O homem do campo de mãos ao alto agradece penhoradamente.

A silagem já encheu os buracões. A vacada sadia se regala naqueles cochos cheios de milho picado com seu odor azedo. Embora o litro de leite seja pago a uma quantia que mal permite tomar undécimo de um quarto de uma garrafa de cerveja experimentem dizer que não vale pena se dedicar à produção leiteira. O estóico homem da roça vai lhe expulsar da propriedade com um belo chute no seu traseiro gordo.

E por falar em roça. Nessa noite outonal fui assaltado por um sonho que me levou aos velhos tempos.

Era eu ainda menino. Sem saber ainda qual seria meu destino anos mais tarde.

Dezembro mostrou sua cara chuvosa. Meu aniversário de dez anos foi celebrado com uma festinha na copa daquela mesma casa hoje reduzida a um lote vazio. E a uma construção ainda em seu começo.

Meus pais me presentearam com um cavalinho nanico por mim batizado de Santinho.

Confesso não ter apreciado tal cavalinho. Queria um de maior estatura. No qual pudesse montar olhando a terra do alto.

E esse piquirinha foi levado a uma fazendinha no município de Perdoes. Terra de minha mãe. Dos Alvarengas e de tantas famílias ilustres.

Essa fazendinha tinha o nome de Cachoeira. Ainda me lembro dela como se fosse agora.

Tínhamos de apear e deixar o carro na cidade de Perdões. E por uma cava rasa ir andando sem pressa até nosso destino final.

Na rocinha da Cachoeira, não sei a razão desse nome, pois lá não existia nenhuma queda d’água e sim um rego d’água. Que tocava um imparável carneiro. Que fazia tlec tlec continuamente. E irrigado por aquele rego d’água uma velha jabuticabeira produzia frutos quase o ano inteiro.

Foi exatamente à sombra daquele pé de jabuticaba que me transportei nessa noite de quinta pra sexta feira.

Era eu ainda menino. Na rocinha da Cachoeira morava uma linda meninazinha por quem me encantei. Seu nome era Cristina. Mas poderia ter sido outro qualquer.

Naqueles verdes anos eu nem sabia o que era namorar. Trocar olhares fazia no rela do jardim.

À sombra da velha jabuticabeira deixei de ser menino. Quando trepava na velha árvore. Num dia chuvoso e ventoso. E a linda Cristininha olhava de baixo a minha travessura. Disputando as jabuticabas mais maduras com os marimbondos. Era uma pra mim e a outra deixava pra eles. Num descuido escorreguei num galho fininho e fui ao chão. Aterrissei, por sorte minha, no colo macio da Cristininha. Ambos ficamos grudados na terra macia aos pés da velha jabuticabeira. Sem sabermos o que iria acontecer.

Ainda me lembro das ferroadas que levei dos marimbondos. Do vermelhão que minha pele branquinha mostrava. De como me ruborizei quando trocamos aquele selinho ingênuo, nem tanto.

Já hoje, anos passados, ainda me recordo. Com o peito cheio de saudades. Daquela meninazinha tão linda. Não sei se ela em verdade existiu. Ou foi fruto tão doce. Como aquelas jabuticabas madurinhas. O fato é que ainda sonho com elazinha.

À sombra da velha jabuticabeira que o tempo levou.

 

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