Nos olhos daquela senhora a pura expressão do desalento

Quando a tristeza toma conta da gente nada como ver sorrir do outro lado.

Deveras. A alegria demonstrada por quem sabe sorrir é o melhor remédio para curar a tristeza.

A vida difícil que temos levado em verdade pode nos deixar acabrunhados.

Ser triste compete aos poetas. A tristeza pode ser a musa inspiradora para se compor versos.

Por vezes me encontro triste. A alegria deixa de existir.

Tem gente que sorri por fora, mas por dentro a felicidade não se mostra.

Por vezes sorrio. Mas por pura conveniência. Quem enxerga minhalma. Com olhos de entendedores. Mal sabe como a alegria manifesta é pura fantasia. Como um palhaço de perdidas ilusões cobre o rosto nos bailes de carnaval.

E como eu conheço aquela senhora.

Ela, tempos de outrora, era pura alegria.

Contaminava a todos ao derredor com seu ânimo inquebrantável. Era pura cordialidade manifesta. Era tida bondade pura.

Passou a vida quase todinha ajudando ao próximo. Bem situada financeiramente nunca a vi de sorriso trancado. Exibia a dentição perfeita como uma criança ao ver seu presente debaixo da árvore de natal.

E como ela amava a vida. Dedicada à família se desdobrava em adivinhar todos os desejos de seus filhos amados. Ao esposo era toda sorriso. Quem os visse acarinhando na velhice pensaria que eram recém casados.

Quis o destino que uma insidiosa moléstia um dia fez-lhe uma visita.

Na ida de rotina ao ginecologista foi-lhe descoberto um câncer de ovário.

O diagnóstico era sombrio. Segundo contabilizam as estatísticas um ano mais lhe restava de vida.

Mas ela não se abateu como uma vaca se prepara ao abate.

Enfrentou estoicamente a previsão dada por seu médico. Marcou a operação. Fez todos os exames pré-operatórios. No dia previsto mais uma desilusão quase a fez desistir de sua meta.

O marido caiu enfermo. E do leito não mais se levantou.

Era ela e seu amado só. Os filhos já não moravam na mesma cidade.

E aquela senhora admirável tinha de decidir entre a própria saúde e a do seu amado esposo.

E foi a dele em quem recaiu a escolha.

Tempos se foram.

A doença daquela senhora evoluiu a um estado quase terminal. O amado esposo teve uma melhora razoável.

Naquele dia em que nos encontramos. Era uma segunda feira do mês de março.

Quando nada mais poderia ser feito pelo restabelecimento daquela senhora. A doença já estava espalhada pelo corpo inteiro.

Quando nos cruzamos na rua. Ela subia e eu descia. Esquálida, olhos encovados. Ossos a mostra.

Ela me cumprimentou sombriamente.

Foi quando senti. Naquele sorriso ausente. Naqueles olhos sem vida. A pura expressão do desalento.

 

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