Se eu fosse capaz…

Três pontinhos.

Na tarde de ontem, já no vestiário da piscina do clube que sempre frequento. Encontrei-me com um velho conhecido.

Tínhamos a mesma idade. Fomos colegas no segundo grau. Ele se graduou em ciências agrárias. Ele logo me reconheceu e me chamou respeitosamente de doutor.

De pronto me remeti àqueles anos. Seu nome de repente ecoou nos meus ouvidos- Francisco.

O sobre ainda desconheço.

Sem olhar no espelho percebi o quanto a vida tem sido generosa para comigo. A aparência do meu colega de escola a ele daria quase o dobro da minha idade. Ambos tínhamos setenta e quatro. Eu mais velho do que ele alguns meses e dias.

Enquanto eu caminhava ereto ele manquitolava. A sua calva era completa. A minha enxovalhada de cabelos brancos.

Despedimo-nos desejando um reencontro naquele mesmo clube. Ele me confidenciou que raramente frequentava aquele agradável logradouro. Pois morava um cadinho distante e tinha de pegar uma carona para ali chegar.

Naquela hora de nossa despedida pensei cá comigo. Como a vida trata distintamente velhos conhecidos. Enquanto a uns ela trata com luvas de pelica a outros ela esbofeteia não com o mesmo carinho. Mas como culpar a vida se não temos o direito de repreendê-la. A vida não nos ouve. E se escuta não faz caso dos nossos queixumes.

Se eu fosse capaz de ser ouvido em minhas queixas quem sou eu para ditar as normas de boa convivência? Se eu mesmo não dou ouvidos a mim mesmo. Embora seja todo olvido do esquecimento.

Se fosse capaz de voltar no tempo por certo o faria. Não com a idade que agora cheguei. E sim aos dez anos uma criança traquinas que não gostava como ainda não aprecio ao ser admoestado por uma culpa que não me cai bem aos ombros.

Se fosse capaz de perdoar aquele que me tenha ofendido daria minha cara à tapa. E repensava o que teria feito para desagradar aquela pessoa que mal conhecia.

Se fosse capaz de escolher o caminho que por acaso tenha trilhado por certo seria o mesmo de agora. Talvez ele não tivesse tantas encruzilhadas e tantas curvas na estrada. E fosse mais fácil de chegar onde estou.

Se fosse capaz de mudar o destino de muitos não incorreria nesse senão. Cada um é cada um. E o direito de escolha pertence a cada um de nós.

Se fosse capaz de decidir pelos outros decerto não o faria. Cabe a ele decidir o que melhor lhe convém.

Se ainda fosse capaz de retroceder alguns anos de vida. E saltar alguns. Ir direto àquela idade em que a mocidade foi perdida. Qual idade escolheria? Decerto seriam aqueles gloriosos anos em que me diplomei. Recebi o canudo. Com os nomes dos meus colegas de faculdade. Naquele velho pergaminho que até hoje enfeita a minha estante.

Se fosse capaz de abolir a palavra saudade do meu dicionário com certeza não o faria de verdade. Ela é uma das muitas que carrego dentro de mim para sempre.

Se fosse ainda capaz de fazer o que fazia dantes por certo o faria com mais acerto. Tentaria cometer menos equívocos. Embora a vida me tenha ensinado que os senões quase sempre nos conduzem a acertarmos mais e mais.

Se fosse capaz de prever o futuro não o faria jamais. Já que pra mim conta viver o presente; sem me esquecer de aqueles que me deram de presente a vida- meus queridos pais.

Na tarde de ontem reencontrei um velho colega do curso secundário. Tomamos caminhos díspares.  Eu fui pela medicina. Ele pelas ciências agrárias.

Se fosse capaz de retornar a mesma idade que tínhamos naqueles verdes anos. E me fosse dado de presente escolher por onde iria. A minha escolha recairia pelo mesmo caminho.

Recheado de nostalgia dos tempos passados.

 

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