Memórias de um menino da Costa Pereira

Daqui a posso ver.

Envolta numa cerração intensa ela mal se deixa ver.

Foi lá que passei minha infância. Nascido em Boa Esperança pra aqui voltei aos cinco anos completos. Nem me lembro se, no meu primeiro aniversário de que sabor era o bolo. E quem estava presente nesse meu primeiro cumpleanos.

Anos depois voltei à morada onde nasci. No fundo daquela casa havia um pé de camélia rosa segundo me disseram os filhos da dona Didi. A senhoria da casa que meus pais alugavam. Era na Rua Coqueiral de número 155. Poucas lembranças trago de lá. Era um menino de cabelos lourinhos. E fui fotografado num cercado de telas nuzinho como vim ao mundo. Galinhas brancas me rodeavam. Quase perdi minha fimose. Por sorte aquela pelinha que recobre a glande não foi confundida com uma minhoquinha inocente. Sorte minha e azar das galinhas que não provaram o sabor pra mim até então desconhecido. Já que anos mais tarde me especializei em operações desse tipo. Já que a circuncisão faz parte da Urologia. Que agora faz parte de mim

Aos cinco anos pra aquela rua me trasladei. Era uma rua tranquila. Parte dela de terra batida que mais tarde foi calçada de pedras duras. Morada dos Rodartes. E velhos conhecidos faziam parte de minha infância.

No começo da Costa Pereira ainda sobrevive a velha caixa d’água da Copasa. Não sei o que ainda ela faz naquele lugar. Já deveria ter sido mudada faz tempo. Sempre de portão fechado aquele lote não nos permite nadar.

A seguir, um prédio abaixo, de nome Rodartino Rodarte, era a casa dos meus saudosos avós.

Vó Belica plantava rosas cor de rosa num jardim suspenso. Foi ali que fui pilhado com a boca cheia de tatuzinhos da terra por minha querida mãe Rute. Até hoje não sei o gosto daquelas iguarias.

A seguir a casa do Meier vinha logo depois. Hoje é a lanchonete e restaurante de nome do velho hospital Vaz Monteiro.

Uma morada abaixo morava o saudoso doutor Zé Botelho. Sempre que me cruzo com seu filho José Mário pergunto por ele.

Uma casa abaixo vivia dona Olga Costa Pinto. Já hoje a velha casa está entregue ao abandono. Oferecida à venda.

Meu querido tio Rui Rodarte morava na casa de baixo. O primo Luiz Carlos é o ultimo dos moicanos de sobrenome Rodarte.

Uma casa abaixo vivia um fazendeiro pai do Fábio e do Piriquitão. Hoje mudou de mãos. Trata-se de mais uma clinica ali fincada.

E como me lembro bem do pai dos louros e tantos outros amigos da Costa Pereira. Gente egressa de Luminárias se não me falha a lembrança. Mais um consultório médico faz parte da velha morada.

Pé ante pé sempre passo por ali. Revivendo velhas recordações.

A casa do professor Tancredo Paranaguá é outra que deu lugar a mais um prédio. Um edifício imponente transformado em mais uma clinica.

A bela residência do Gabriel Lopes me faz lembrar a sua fidalguia. Hoje ela pertence a seus filhos e virou mais um estacionamento.

A casa do saudoso Paulo Reis ainda mora na mesma rua. Agora se transformou em um laboratório de análises clinicas.

Mais uma casa abaixo foi onde passei parte da minha meninice peralta. Já hoje a velha casa foi demolida. A espera que construam mais um edifício baixo.

A casa do tio Chico era ombreada com a de meus pais. Agora elas se irmanam em dois lotes vazios.

O velho hospital, onde ensaiei meus primeiros passos na medicina, mora no mesmo lugar. Bastante modernizado e capacitado a atender os avanços da arte médica.

E como eu, ainda menino da Costa Pereira, meus olhos e a saudade se voltam a uma velha casa. Construída precariamente num lote em desnível da mesma rua. Onde morava a dona Ester. Mãe de uma ninhada de filhotes. Eram mais de quinze. Menos de vinte acredito.

Creio que deles todos ainda resta mais de uma dúzia. Eram todos meus amigos. Não vou nomeá-los a todos. Pois temo pecar no olvido do esquecimento.

Mas éramos uma patota unida que não me lembro de uma única rusga entre nós.

Jogávamos finca, tapão, bete, cricávamos bolinhas de gude. Naquela época de ouro não existiam os telefones andejos. Muito menos os tablets e redes sociais.  E a gente não perdia tempo. Corríamos atrás de nossos próprios folguedos. Sem nos importarmos com as maledicências que diziam as nossas costas.

Do outro lado da Costa Pereira, logo defronte ao Rodartino Rodarte.  Outra família unida me passa pelas lembranças.

Que saudade da candura da dona Violeta. Esposa amaríssima do dentista prático seu João. O qual veio em meu socorro e do primo Pedrinho. Quando, no seu consultório de frente, um dos meus dentes siso teimava em não sair. E foi a força de um boticão que ele foi arrancado. E creio que até hoje não criei juízo pois ainda resta unzinho só na parte de trás de meu sorriso.

Minhas memórias não param por aí. Ainda vou escrever minha autobiografia.

Aquela mesma rua. Que daqui se permite ver. Faz parte de minhas indeléveis lembranças.

Espero não sepultá-las tão cedo. Pois ainda pretendo viver muitos anos mais.

 

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