Amizade, de verdade

Tenho poucos amigos que com eles posso contar.

Nas horas boas ou más. Estamos juntos para o que der e advir.

Entre eles nomeio três cães fidedignos amigos. Já tive mais cães que me acompanharam desde menino. Agora só me restam eles três: o saltitante Pirunguinha, que vive e esbanja vitalidade noutra represa pra onde irei nesse feriado de carnaval. Já os mais jovens canzarrões, com cara de bravos, nada mais são crianças como eu, vivem meio enclausurados, cuidados por mais um amigo de duas pernas, na minha rocinha beira lago do Funil. O amigo Tom Zé é quem cuida deles na minha ausência. E quando lá chego a minha primeira providência é soltá-los do espaçoso canil para que eles me acompanhem em minha caminhada em direção a casa de outro amigo. Pelo qual tenho a maior estima além de respeitá-lo como se fosse um irmão.

A amizade quando chega ao coração muda de nome. Passa a se chamar amor.

E amores existem aos montes. Amor filial. Amor que nos faz perder a razão. Amor que de repente finda. Mas entre amor e paixão mora um fosso profundo. Que enche e transborda quando a idade e as formas se tornam obstáculos quase intransponíveis para a sua continuação.

Amigos são poucos. Não preciso tantos.

Pessoas pensantes me rodeiam aos montes. Mas seres em que posso confiar conto nos dedos.

Amigos fiéis e devotados, como meus cães, ainda os procuro e não os encontro.

Ser amigo entende-se por companheiro. Somam-se outros significados- adepto, admirador, aliado, seguidor, partidário, simpatizante, e inúmeros outros mais.

Desafeto é antagônico de amigo. Inimigo quer dizer justamente o contrário.

Amizades de longa data são as melhores. Pena que elas terminam quando a gente morre.

Já tive bons amigos que me deixaram órfão de suas amizades. Foram perdas sentidas. Ainda me lembro de todos eles. Agora penso que não perdi aqueles bons amigos. Meu consolo é que eles apenas mudaram de endereço e hoje moram no céu.

Amigos presentes tenho poucos. Amigos distantes não os posso acarinhar.

Mas nem sempre posso demonstrar minha amizade. Pra mim basta um olhar de agradecimento.

Já esse amigo, com quem quase não me encontro, já que ele sempre está assoberbado de trabalho. Quando mais preciso de uma mão amiga com a sua posso contar.

Agora mesmo, a essa hora, quase madrugada, ele, e sua esposa dedicada, já devem estar terminando a primeira ordenha. A vacada, de bucho cheio, se prepara para deixar o curral. O filho mais novo, o parrudo Binho, é quem cuida de espalhar o trato nos cochos vazios.

De vez em quase sempre careço de sua ajuda.

É esse amigo, de todas as horas, quando mais preciso é quem me socorre na minha aflição.

Dizem, com alguma propriedade, que eu não sou bom motorista. De fato não contrario essa assertiva. Pois quase não uso carros. A minha Orock, semi nova, pode ser vista, fora os finais de semana, estacionada defronte ao prédio onde moro.

Na semana passada, no sábado que a folinha arrancou, fui com ela, só, na minha rocinha desencantada.

Antes dei uma passadinha na casa de outro amigo. Tom Zé, meio amalucado, me pediu que entrasse na sua fazendinha. Precisávamos carregar um saco cheio de capim picado.

Ele já me esperava, demonstrando, como sempre, aflição.

Acontece que, outro amigo da roça, o Gerado da dona Nega, o tinha convocado, às pressas, para acudi-lo no seu palmo de chão. Uma das suas melhores vacas, baldeiras, foi comida viva, por um dos seus cães. E a pobre agonizava a espera dos urubus pertinho do seu curral.

Eu, meio roda dura, acabei por atolar as rodas da minha caminhonete branquinha, limpinha, num rego d’água.  E dali não saía nem com reza mansa.

Carecia, com certa premência, que uma alma boa me tirasse do atoleiro.

E a que recorrer? Foi esse amigo, de todas as horas boas e nem tanto, que me acudiu nesse momento de aflição.

Não foram meus cães. E nem meu outro amigo Tom Zé estava presente, meio desorientado, como eu.

Eis que, montado no seu trator, um possante tratorzinho, com uma corda forte nos livrou, em poucos instantes, daquele rego d’água naquela estradinha curta em que trafegava.

Amigos como ele conto nos dedos de uma só mão.

Ao Roberto, também conhecido, nas bandas de Ijaci, por Betão, hipoteco a minha sincera amizade.

Amizades de verdade tenho poucas. Com quem posso contar conto nos dedos de apenas e tão somente uma das mãos.

 

 

 

 

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