A pior das mazelas

Por vezes me pergunto: “qual seria a pior coisa do mundo”?

Tenho de pensar várias vezes, mas a resposta de imediato não a tenho.

Seria a solidão? Ficar desacompanhado numa ilha deserta. À sombra de um coqueiro apenas. Olhando as ondas do mar que vem e vão em vão?

Amando e não ser amado a espera de um dia a mulher amada corresponder a um olhar apenas?

Caminhar estradas vazias tendo por companhia apenas a sombra que lhe deixa somente quando não brilha o sol?

Ou perambular a esmo sonhando com o impossível. E ver sonhos não se concretizarem depois de tantas noites mal dormidas.

Pra mim uma das piores coisas com que me deparei foi ver. Com esse par de olhos que tanto enxergam. Pessoas não enxergarem outros iguais dormindo ao relento. Idolatrando ídolos de pés que se desfazem ao se molharem numa enxurrada que passa. São os tais ícones de pés de barro. Modernamente conhecidos por influenciadores digitais. Ou aquelas pessoas desocupadas que se mostram sem dizer nada naquela casa que dizem ser a mais vigiada de nosso malsinado país.

Outra coisa que me dá pena é ver cães vadios vagando pelas ruas a cavoucar sacos de lixo a procura de restos de comida. E são enxotados da porta de restaurantes. E não encontram abrigo.

Uma das piores mazelas que meus olhos passarinham é ver crianças nas ruas soltas e vadias. Por não terem na própria casa uma família que as podem acolher como deveriam.

São tantas mazelas que me ferem os olhos. Que me afrontam a dignidade de ser brasileiro.

E não encontrar a razão de tantos patrícios procurarem outros ares para viverem.  E não encontrarem aqui o sustento de suas famílias. Nesse país ao mesmo tempo tão rico e tão desigual.

Talvez a reposta a minha indagação de o porquê de tantos porqueres. Seria a pior mazela que meus olhos vêem. A tenha encontrado nessa manhã fresca nesse segundo dia de fevereiro.

Como de costume deixei meu apartamento meia hora antes das seis da manhã. Acordar cedo faz parte de mim. Já que não tenho pelas noites o melhor apreço.

Fiz uma breve caminhada pelas ruas semi desertas de minha querida Lavras.

Quase não percebia vivalma.

Num certo trecho da minha andança. Nas vizinhanças da praça central.

Notei um sem teto procurando comida. Ele, como se fosse um cão vadio procurava no lixo algo para matar a fome.

Ele me pareceu jovem. A principio, arredio. Depois aceitou uma nota de dez reais que a ele presenteei.

Trazia nos olhos encovados um pedido de socorro. Não era usuário de drogas ou coisa parecida. Pelo menos pensei.

Segundo ouvi daquela pessoinha sofrida ele não era nascido nessa cidade. Tornou-se andarilho desde os quinze anos.

Alimentava-lhe do que lhe dão. Quando a fome apertava procurava comida nos sacos de lixo.

Foi ele quem me deu a resposta que procurava. A pior mazela do mundo não era a solidão. Nem mesmo o desamor.

A fome sim. Não ter o que comer dói muito mais que não ter o que fazer.

Despedi-me daquele moço com uma sensação de vazio. Na impotência de ter tudo que tenho e não ser capaz de mitigar a fome de quem nada tem.

 

 

 

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