Minha casa minha vida

Quem casa quer casa.

Comprada a vista ou a prestação.

Esse é o sonho de muitas famílias. Distribuídas país afora ou nesse mundão.

Morar debaixo de um viaduto pode ser salvo conduto a um desastre previamente anunciado. Depois de uma chuvadonha tamanha a morte pode vir numa enchente qualquer que acaba inundando aquela avenida desnivelada. Mal projetada por um engenheiro apadrinhado por um político safado. Que faz do mesmo viaduto um propinoduto que lhe enche as burras de dinheiro. Uma soma de grana mais suja que pau de galinheiro. Só que dali exala uma fedentina ainda mais fétida que creolina vencida. Com odor de podridão equiparável a um monte de fezes deixadas ao léu.

Sem dúvidas que esse programa do governo federal tem seus méritos. Inegável.

Ele tem em seu âmago atenuar problemas, dir-se-iam incontornáveis, de tirar das ruas gente que não tem como pagar um imóvel onde se protegerem das intempéries. Um teto onde se abrigarem. Onde passar as noites escuras vendo o céu recheado de estrelas noctívagas. Minha casa minha vida deve ser prioridade de todos os governos sejam de qualquer sigla partidária. Sejam petistas ou da situação. Embora a situação em que nos encontramos seja ainda calamitosa. É só andar pelas ruas dando de comer aos olhos. Vislumbrando sem tetos. Pedintes estendendo as mãos sujas. Em cada esquina das cidades. Soberbamente nesses tempos de final de ano. Quando a solidariedade nos assalta sem armas empunhadas. Quando o sentimento natalino nos faz sentir como papais noeis sem as suas vestes vermelhas e aquele gorro branco.

Foi quando me veio às idéias aquela pessoinha de alma purinha. Conhecida em toda cidade como Aninha. Que vendia balaios feitos por ela mesminha.

Aninha vivia debaixo de um viaduto. E tudo que ela possuía era tão pouco. Quase nada.

Seus pertences constavam de duas trocas de roupa. Uma velha cômoda onde ela guardava velhas fotografias. Uma cama improvisada onde ela fingia dormir. Uma talha onde ela estocava água de chuva para saciar a sede. E só.

Foi quando ela foi informada sobre o programa minha casa minha vida.

Com a ajuda de um amigo, velho conhecido. Das ruas mesmo.

Ela juntou os documentos necessários ao tal empreendimento meritório. E esperou pacienciosamente a sua vez de receber as chaves de sua casinha recém construída na periferia da sua cidade grande.

Adeus noites insones. Até nunca mais acordar ensopada depois de uma chuva inesperada. Tchau a morar na rua. Amargura, jamais.

Enfim é chegado o grande dia.

Aninha vestiu a melhor roupa que possuía. Penteou seus cabelos presos a um laço de fita amarela. Perfumou-se com um perfume cheirando a madressilva.

A solenidade de entrega das casinhas do minha casa minha vida foi uma efeméride bastante concorrida tanto por políticos do contra e da situação. Houve pipocar de fogos e falas vazias.

Discursos ocos se sucediam.

Uma vez já morando na sua casinha tinta em azul e branca Aninha sentiu-se mais feliz que nunca havia sido.

Até fez um bolo comemorativo à ocasião tão importante.

Só que sua alegria durou bem pouquinho.

Dezembro amanheceu mais chuviscoso que o costume.

Uma tempestade desabou sobre aquele amontoado de casinhas mal construídas.

Tordo o material usado na construção era de terceira categoria. A fiação elétrica logo entrou em curto circuito. O telhado tosco não resistiu e foi abaixo. As paredes ruíram. A encanação hidráulica vazou.

As tais casinhas do programa minha casa sua vida não duraram mais que as chuvas de verão. Que nem ainda haviam começado.

Um mês depois contabilizaram os estragos. Não restava pedra sobre pedras. Alicerces soçobraram em escombros.

A pobre Aninha, pensando haver conseguido uma casa para passar o resto de sua vidinha singela. Foi encontrada mortinha soterrada sob blocos de cimento.

Um seu vizinho e amigo sobrevivente. Sobre seu túmulo discursou tristemente.

“Aqui jaz, solitária, mais uma vítima desse programa inconsequente. Se o chamam de minha casa minha vida melhor dizer- minha casa minha morte”.

Infelizmente mente. Digo eu.

 

 

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